Cenários

O crescimento da produtividade em 2023 foi temporário ou permanente?

1 abr 2024

A questão que se coloca é se o crescimento da produtividade em 2023 foi temporário ou permanente. Embora seja difícil extrair conclusões definitivas com base em poucas observações, alguns dados ajudam a avançar no entendimento.

No final de 2022, a produtividade do trabalho estava de volta à tendência de queda observada entre 2017 e 2019. Em 2023, no entanto, surgiram sinais de uma mudança positiva na trajetória da produtividade.

Segundo os dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE, a produtividade por hora efetivamente trabalhada teve aumento de 1,3% no quarto trimestre de 2023 em comparação com o mesmo trimestre de 2022, completando uma sequência de quatro trimestres consecutivos de alta nesta base de comparação. Considerando o ano como um todo, a produtividade por hora efetiva cresceu 1,9% em 2023, após queda de 4,4% em 2022.

Embora tenha caído 0,7% em relação ao terceiro trimestre, no final do ano passado a produtividade por hora efetiva encontrava-se 1,1% acima do nível pré-pandemia. Quando se compara com a tendência de queda entre 2017 e 2019, fica claro que no ano passado a produtividade do trabalho se deslocou para um nível acima da trajetória pré-pandemia.

Os dados também mostram que a produtividade total dos fatores (PTF) cresceu 0,2% em 2023. Embora no quarto trimestre a PTF ainda se encontrasse 5,1% abaixo do nível pré-pandemia, o pequeno aumento do ano passado foi suficiente para elevar a PTF para um nível acima da tendência de queda que prevaleceu antes da pandemia.

A questão que se coloca é se o crescimento da produtividade em 2023 foi temporário ou permanente. Além de uma possível aceleração do crescimento do PIB potencial, a resposta tem implicações importantes para a condução da política monetária. Como destacado na Ata do Copom desta semana, aumentos salariais superiores ao crescimento da produtividade podem resultar em pressões inflacionárias e, consequentemente, reduzir o ritmo ou mesmo a extensão da redução da Selic nos próximos meses.

Embora seja difícil extrair conclusões definitivas com base em poucas observações sujeitas a elevado grau de volatilidade, alguns dados ajudam a avançar no entendimento da questão.

Além dos indicadores de produtividade para a economia como um todo, o Observatório da Produtividade Regis Bonelli divulga regularmente dados trimestrais e anuais de produtividade para os doze principais setores das Contas Nacionais.

Os dados mostram que o bom desempenho da produtividade agregada em 2023 resultou em grande medida do crescimento extraordinário da produtividade da agropecuária (21,1%). A produtividade da indústria (incluindo extrativa mineral, transformação, construção e serviços de utilidade pública) cresceu 2% e o setor de serviços, que concentra cerca de 70% das horas trabalhadas, teve aumento de apenas 0,1%.

Esse padrão setorial tem grande semelhança com o observado em 2017, quando a agropecuária teve crescimento da produtividade de 21%, enquanto indústria e serviços tiveram elevações de 2,9% e 0,1%, respectivamente. Em consequência, o crescimento da produtividade agregada em 2023 (1,9%) foi muito próximo do verificado em 2017 (2,1%).

Naquela ocasião o crescimento da produtividade revelou-se temporário, com aumento de apenas 0,5% em 2018 e queda de 1,5% em 2019. Isso seria uma má notícia para o desempenho da produtividade em 2024.

No entanto, existe uma diferença importante no funcionamento do mercado de trabalho que pode representar uma mudança positiva mais duradoura para a produtividade. Dados mensalizados do FGV IBRE baseados na divulgação da PNAD Contínua desta semana mostram que, em fevereiro de 2024, as ocupações formais estavam 9,1% acima do período pré-pandemia (fevereiro de 2020), enquanto as informais estavam apenas 1,6% acima.

Tanto trabalhadores por conta própria com CNPJ como empregados com carteira de trabalho tiveram crescimento expressivo e foram responsáveis pela maior parcela da geração de ocupações neste período. Também chama atenção o fato de que os informais na categoria de conta própria sem CNPJ tiveram queda das ocupações neste período.

Esse padrão é muito diferente do observado entre 2017 e 2019, que foi caracterizado por aumento da informalidade e crescimento elevado do número de trabalhadores por conta própria sem CNPJ. Isso ajuda a explicar a queda da produtividade que ocorreu naquele período.

Existem várias hipóteses para explicar esse processo recente de formalização. Por exemplo, um estudo de Renata Narita e coautores (“Labor Courts, Job Search and Employment: Evidence from a Labor Reform in Brazil”) encontra evidências de que a redução de processos na Justiça do Trabalho decorrentes da reforma trabalhista de 2017 contribuiu para a geração de empregos formais.

Também é possível que outras reformas implementadas nos últimos anos, como as do mercado de crédito, tenham contribuído para a expansão de empresas formais (com CNPJ), que por sua vez tendem a contratar trabalhadores formais (com carteira de trabalho). Na medida em que empresas formais são muito mais produtivas que as informais, isso pode ter contribuído para o aumento da produtividade.

Em resumo, o fato de que os ganhos de produtividade em 2023 foram concentrados na agropecuária sugere que o aumento do ano passado pode ter sido temporário. Por outro lado, o processo de formalização dos postos de trabalho, que os dados do Caged indicam que continua com força este ano, aponta para a possibilidade de ganhos mais duradouros. Os dados de produtividade dos próximos trimestres vão revelar qual das duas possibilidades prevaleceu.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 29/03/2024.

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