Macroeconomia

O critério de justiça nem sempre ajuda a aritmética previdenciária

24 abr 2019

O alerta da necessidade de uma reforma previdenciária soa quando o equilíbrio fiscal fica comprometido e, por conseguinte, a dívida pública começa a subir. O sinal de gastos previdenciários elevados e crescentes faz com que os técnicos se mobilizem para sensibilizar os formadores de opinião quanto à urgência da mudança. A explicitação dos números, no caso, é a melhor estratégia. Entendidos os desafios aritméticos, caminha-se para a fase subsequente: preparar uma proposta de alteração no sistema que torne mais duras as regras para aposentadorias e pensões. A partir desse momento, a questão política entra em cena. A narrativa que funcionará como elemento catalisador é testada e avaliada. Afinal, sem uma boa estória para contar é difícil convencer os eleitores da premência na criação de um novo sistema de Previdência.

Ao fim e ao cabo, não dá para escapar de um critério associado à justiça. Aqueles que, na visão popular, se beneficiam mais seriam os candidatos naturais a pagar a maior parte da conta do ajuste. Os menos afortunados estariam no extremo oposto, deveriam ser poupados do sacrifício. Contudo, embora do ponto de vista da justiça social essa regra possa fazer sentido, sob a ótica do ganho a ser proporcionado aos cofres públicos nem sempre adotar esta medida é suficiente para conter a sangria no Erário.

Ao analisar o momento brasileiro, os candidatos ao desagradável papel que o imaginário popular designa como “vilões” parecem ser os funcionários públicos. Em linhas gerais, o argumento que induz o entendimento de excesso de benesses está na forte discrepância entre os benefícios pagos, a título de aposentadorias e pensões, nos setores público e privado. O uso político do diferencial de renda para tornar os servidores públicos alvos principais na reforma pode ser visto na recente audiência pública realizada na Câmara dos Deputados para debater as mudanças na previdência.

Na ocasião, o ministro Paulo Guedes afirmou que o atual sistema é um “fábrica de desigualdades” e alfinetou que a aposentadoria média na Câmara era 20 vezes maior do que a no INSS. Apesar de tecnicamente ser verdade, ao se colocar uma lupa nos números de forma agregada no âmbito da União, as despesas anuais com o funcionalismo público giram em torno de 4% do PIB há pelo menos 20 anos. Não se distanciam desse patamar. Por outro lado, nos gastos com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), do setor privado, a trajetória é crescente, saindo de 3,4% do PIB em 1991 para 8,5% em 2018. Supondo-se que não haja reforma e as atuais regras sejam mantidas, segundo as projeções de Manoel Pires, pesquisador associado do FGV/Ibre, os gastos do RGPS superarão a marca de 10% do PIB em 2029 e atingirão 16,75% em 2060.

Como se vê, a aritmética não permite poupar os trabalhadores do setor privado no ajuste. Portanto, a narrativa oficial também deve, de alguma forma, contemplar uma linha argumentativa clara e convincente para incluir os trabalhadores do setor privado no rol daqueles penalizados pela reforma.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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