Macroeconomia

O custo fiscal de novos programas de transferência de renda

13 jul 2020

A informalidade elevada é uma característica marcante dos mercados de trabalho de países em desenvolvimento, e do Brasil em particular. A década de 1990 foi um período de elevação da informalidade no país, particularmente nas áreas urbanas. Depois de forte queda durante os anos 2000, que continuou em menor intensidade até 2014, a informalidade voltou a subir com a recessão de 2014-2016 e a lenta recuperação que se seguiu. Pouco antes da pandemia, a taxa de informalidade estava em torno de 42% da população ocupada.

A pandemia evidenciou a enorme vulnerabilidade social desse grupo de trabalhadores, o que levou à aprovação do Auxilio Emergencial e sua recente prorrogação por dois meses. Esse contexto também estimulou o surgimento de várias propostas, tanto por parte de analistas como de parlamentares, com o objetivo de reforçar a rede de proteção social do país.

Uma nota recente de Marcos Mendes (“Nota sobre a viabilidade fiscal de um novo programa de transferência de renda”) analisa o impacto fiscal de várias propostas e as alternativas de financiamento. São consideradas desde formas de ampliação do Bolsa Família a programas de renda básica universal.

Uma duplicação do orçamento do Bolsa Família, que poderia envolver um reajuste do valor dos benefícios e/ou aumento do número de beneficiários, custaria R$ 33 bilhões. Outra possibilidade seria acabar com o Bolsa Família e tornar o Auxílio Emergencial permanente no valor atual de R$ 600 por mês, supondo que ele atenderá 50 milhões de pessoas. Nesse caso, o aumento anual de gastos seria de R$ 369 bilhões. Já um programa universal de renda mínima, em que cada brasileiro receberia, mensalmente, R$ 400, e o Bolsa Família seria extinto, ampliaria a despesa pública em R$ 983 bilhões ao ano.

O dispêndio com alguns programas poderia diminuir caso fosse proibido o acúmulo com benefícios já existentes, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural, mas continuaria muito elevado. Em particular, a despesa anual com a renda mínima seria de R$ 918 bilhões. O gasto com o Auxílio Emergencial permanente permaneceria inalterado, já que este benefício já exclui beneficiários que recebem o BPC ou aposentadoria rural.

Do lado do financiamento, Mendes mostra que seria possível obter R$ 80,3 bilhões por ano mediante extinção de programas sociais já existentes, revisão de renúncias tributárias e congelamento temporário da folha de pagamento de servidores públicos da União.

No entanto, essas reformas enfrentariam grandes obstáculos de natureza política. Por exemplo, a extinção do abono salarial resultaria em recursos adicionais próximos de R$ 20 bilhões por ano. Mas cabe lembrar que ano passado os congressistas retiraram da reforma da previdência uma redução dos gastos com o abono proposta pelo governo. Uma tentativa de congelamento do salário dos funcionários públicos, mesmo que temporária, certamente enfrentará grande oposição das corporações, como ficou evidenciado na tramitação recente do Plano de Auxílio aos Estados.

Com um orçamento de R$ 80,3 bilhões, só seria possível tornar permanente o Auxílio Emergencial caso o valor mensal fosse de R$ 133,8 e o número de beneficiários fosse limitado a 50 milhões de pessoas. Caso a opção seja por um programa de renda mínima para todos os brasileiros com renda abaixo do limite de tributação do Imposto de Renda de Pessoa Física e que não sejam beneficiários de outros programas previdenciários ou assistenciais, o valor mensal seria de apenas R$ 45,6.

Essas estimativas de impacto fiscal mostram de forma clara os limites para a criação de novos programas de transferência de renda ou expansão dos que já existem, especialmente no contexto atual, em que o déficit primário deve superar 12% do PIB e a razão dívida/PIB irá ultrapassar 95% no final do ano.

Diante disso, o governo tem sinalizado que deverá optar por uma consolidação de programas existentes, como o Bolsa Família, abono salarial, salário família e seguro defeso, em um novo programa social que tem chamado de Renda Brasil. Mesmo sem aumento de gastos, essa alternativa pode contribuir para tornar a proteção social mais eficiente, já que, com exceção do Bolsa Família, os programas citados têm baixa focalização nos mais vulneráveis.

Seria importante que o governo apresentasse logo sua proposta, para que seja aprimorada com a participação de especialistas e da sociedade. O debate em torno da proteção social no pós-pandemia é necessário, mas deverá ser compatibilizado com restrições fiscais muito fortes. Caso os limites impostos pelas contas públicas não sejam respeitados, os mais vulneráveis serão os primeiros a sentir as consequências.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 10/07/2020.

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Sara Araújo

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