Macroeconomia

O desafio da inserção de trabalhadores informais em programa do governo

13 abr 2020

No fim de 2019, nem o mais pessimista dos brasileiros imaginava que o ano de 2020 seria tão difícil. Não se tinha nada de extremamente negativo no radar. O ano começou morno. O debate girava em torno de questões relativas ao processo democrático. Reformas econômicas estavam na pauta do dia. O desenrolar da disseminação do novo coronavírus era visto como um problema eminentemente asiático. Afinal, ao longo dos últimos vinte anos o mundo já tinha sofrido com o surgimento de dois outros vírus ainda mais letais, EBOLA e SARS, e o Brasil havia passado incólume. Os ventos mudaram entre meados de fevereiro e início de março. Após o carnaval, ficou clara a inevitabilidade da disseminação da COVID-19. Em função da necessidade de desacelerar a disseminação do vírus, o distanciamento social se impôs. A partir daí, as expectativas mudaram. O que mais impressiona é a velocidade com que tudo aconteceu. O Índice de Incerteza da Economia (IIE-Br) (computado através de matérias em jornais de grande circulação e de variáveis comportamentais de setores da economia), divulgado mensalmente pelo FGV Ibre, dá bem a dimensão do problema. Em março, o indicador bateu dois recordes. O primeiro relativo ao patamar que atingiu, 167,1. Para se ter uma ideia, na série que começa em 2000, o segundo maior nível aconteceu em setembro de 2015, 137,1, momento em que o país enfrentava forte recessão e havia acabado de perder o grau de investimento. O segundo recorde é devido à elevação verificada entre os dados de março e fevereiro, 52 pontos. Anteriormente, o salto mais expressivo havia ocorrido entre outubro e setembro de 2008, 34 pontos, quando do estopim da crise financeira internacional.

Desde os primórdios em que se propuseram medidas de isolamento social, as consequências sobre o mercado de trabalho já eram encaradas com muita preocupação. Em especial, a atenção girava em torno dos trabalhadores informais. Afinal, estes formam um contingente grande de pessoas que não dispõem de poupança e cuja renda é muito suscetível aos humores da economia. Em um cenário como o atual, não resta dúvidas que precisam ser socorridos.

Ao especular sobre medidas que venham atenuar a perda de renda dos informais, um aspecto deve ser reforçado: o elo entre a transferência de recursos a este grupo e aos beneficiários do Bolsa Família (BF). A dificuldade em obter informação sobre o ganho auferido por cada informal ao longo do tempo, não permite que o poder público os diferencie. Diante disso, é injustificável privilegiar um grupo de indivíduos que, em muitos casos, sequer tem seu nome em um cadastro público em detrimento de outro cujos dados são registrados. Assim, em termos político-operacionais, o valor pago aos informais não deveria ser superior ao recebido pelos beneficiários do BF.

Além disso, do ponto de vista conceitual, não é hora de adotar medidas que sangrem os cofres públicos para melhorar a condição econômica de qualquer grupo, mesmo que estes sejam os beneficiários do BF. Afinal, na crise oriunda do novo coronavírus, a busca é evitar uma deterioração acentuada da renda, principalmente e em especial, dos vulneráveis. Naturalmente, não há condenação a políticas que visem a melhoria de vida dos menos favorecidos. O ponto não é esse! O momento não é oportuno para se tratar de um tema estrutural tão importante. É só isso! Durante a epidemia, o que deve estar em jogo é o abrandamento das perdas da população, com foco nos menos abastados.

O que fazer?
Embora se reconhecessem as adversidades, houve cobrança para que o governo agisse rápido. Na busca de respostas, a fórmula escolhida foi um programa federal de transferência cujo repasse tinha como base R$ 600 por mês, durante três meses. Executivo e Legislativo aprovaram, celeremente, a Lei nº 13.982, de 02 de abril de 2020, e, na sequência, a Presidência da República a regulamentou por intermédio do Decreto 10.316, de 07 de abril de 2020.

Como se vê, o governo ficou em uma enrascada. Devido à necessidade de atender um conjunto de trabalhadores informais que tem dificuldade em repor sua renda, não pôde propor um auxílio emergencial muito baixo. Assim, optou pelos R$ 600 mensais, com o adendo: “A mulher provedora de família monoparental receberá 2 (duas) cotas do auxílio”. O que, por conseguinte, passou a valer como renda mínima percebida pelos beneficiários do BF – até a introdução do auxílio emergencial, o benefício médio pago no programa BF girava em torno de R$ 190.

Com isso, a elevação dos rendimentos do BF durante os próximos três meses inevitavelmente abrirá uma agenda política em prol da manutenção do benefício nesse novo patamar. Passada a pandemia, o desafio será convencer seus beneficiários de que a elevação ocorreu devido a um momento de excepcionalidade. O tema se tornará politicamente muito sensível em um período de extrema suscetibilidade fiscal.

Como achar os informais?
Por serem menos visíveis à máquina pública, o esforço para localizar os trabalhadores informais é grande. Na verdade, a listagem mais abrangente dessa população está no Cadastro Único para Programas Sociais, conhecido como CadÚnico. No entanto, ao se limitar ao CadÚnico, estimativas de técnicos da área social indicam que cerca de 20 milhões de informais ficam de fora da cobertura do governo. Para complicar, como apontado por especialistas, a operação de uma nova plataforma de programa social é tarefa bastante complexa. A construção de um cadastro totalmente online de trabalhadores informais é uma grande operação logística. Requer tempo.

Como a COVID-19 avança rapidamente, o Executivo não teve escolha. Foi forçado a agir. Está montando um novo cadastro em cima do preenchimento de um formulário disponibilizado em uma plataforma digital gerida pela Caixa Econômica Federal, com base na autodeclaração. Recebidos os formulários, há uma triagem para verificar aqueles que são elegíveis ao auxílio emergencial, em função do estabelecido na Lei nº 13.982, de 02 de abril de 2020. Em breve, os favorecidos serão conhecidos, como também o custo do programa e o número de assistidos.  Segundo o presidente Jair Bolsonaro, o auxílio emergencial deve representar um gasto adicional do governo federal de R$ 98 bilhões, alcançando cerca de 54 milhões de beneficiários.

Por conta da precariedade do cadastro que está sendo desenvolvido, é difícil antecipar o resultado dessa gigantesca ação governamental. Após ser posto em operação, o que resta é acompanhar a evolução do projeto. Algumas perguntas ficarão no ar: o público-alvo está sendo atingido? o custo do programa não está excessivo para seu alcance? É importante que o governo esteja atento e preparado para fazer as mudanças devidas para corrigir o valor do benefício ou, se for o caso, repensar o cadastro criado com a plataforma digital da Caixa. A sorte está lançada!


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Comentários

Pedro

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