Macroeconomia

O desafio do crescimento no Brasil

23 set 2019

Depois da recessão mais longa e profunda que o país já enfrentou, os dados indicam que a recuperação iniciada em 2017 tem sido a mais lenta já registrada. Depois de dois anos seguidos de crescimento do PIB de 1,1%, as projeções do IBRE/FGV indicam que esta taxa de crescimento se repetirá em 2019.

O desempenho da produtividade do trabalho tem sido ainda pior, já que o total de horas trabalhadas tem crescido a uma taxa superior ao PIB. Segundo estimativas do IBRE, o crescimento da produtividade por hora trabalhada foi de 0,9% em 2017 e caiu 0,1% em 2018. Para este ano, nossa projeção é de queda de 1%.

Estimativas do IBRE indicam que cerca de metade da queda de produtividade desde o início da recessão deveu-se ao aumento da informalidade. Embora o crescimento do emprego já esteja ocorrendo a taxas próximas das verificadas antes da recessão, os postos de trabalho gerados são predominantemente informais. Como as empresas formais no Brasil são, em média, quatro vezes mais produtivas que as informais, a realocação de trabalhadores do setor formal para o informal que tem ocorrido desde o início da recessão teve impacto negativo na produtividade agregada.

Embora essa piora da produtividade decorrente da informalidade tenha alguns aspectos conjunturais, minha avaliação é de que ela reflete problemas mais profundos. Desde 1980, a produtividade do trabalho cresceu apenas 0,5% ao ano. Esse fato foi mascarado durante vários anos pelo rápido crescimento da população em idade para o trabalho (15 a 64 anos), que permitiu que a renda per capita crescesse a taxas superiores à da produtividade. Com o fim do bônus demográfico, no entanto, o baixo dinamismo da produtividade veio à tona.

Os atuais entraves para o aumento da produtividade são fruto da combinação de uma herança de distorções acumuladas desde o período de substituição de importações com novas fontes de ineficiência, em especial o aumento do crédito direcionado desde o final dos anos 2000, novos regimes especiais de tributação e elevação dos requisitos de conteúdo local.

Desde 2017, várias dessas distorções têm sido reduzidas, com a aprovação da reforma trabalhista, da terceirização e a diminuição das exigências de conteúdo local. O avanço tem sido particularmente significativo na área de crédito. com a criação da TLP, a aprovação do cadastro positivo e a redução do crédito direcionado.

O governo atual tem dado continuidade a esta agenda, com venda acelerada de ativos da Petrobras e devolução mais rápida de recursos do BNDES. Também foi concluída a negociação sobre a cessão onerosa com a Petrobras e o acordo comercial do Mercosul com a União Europeia.

Os avanços têm sido significativos, e alguns efeitos já podem ser observados, como a redução da judicialização de questões trabalhistas e o aumento da importância do mercado de capitais no financiamento das empresas. No entanto, ainda estão longe de serem suficientes, diante do desafio de reformar profundamente o ambiente de negócios do país.

O desempenho pífio da produtividade também reflete incertezas sobre a solvência do setor público, que inibem o investimento e a expansão de empresas produtivas. Nessa área também ocorreram avanços importantes nos últimos anos, com a criação do teto de gastos e a iminente aprovação da reforma da previdência.

Alguns resultados positivos já são aparentes, como a queda da inflação e das taxas de juros de curto e longo prazo. No entanto, ainda há muito a ser feito para que o teto de gastos seja sustentável e a sequência de déficits primários registrada desde 2014 seja revertida.

Em resumo, o que está acontecendo é uma lenta transformação do modelo econômico que vigorou durante décadas, baseado em forte intervenção do Estado na economia, para algo mais parecido com uma economia de mercado.

Embora esteja claro que o modelo anterior entrou em colapso fiscal e econômico, ainda existe muita incerteza sobre o novo modelo. Segundo o Indicador de Incerteza calculado pelo IBRE (IIE-Br), o nível de incerteza atual é próximo do observado no segundo semestre de 2015, quando o Brasil tinha acabado de perder o grau de investimento.

O grau de incerteza atual também é similar ao observado em 2009, na esteira da crise financeira internacional. Embora o agravamento do cenário externo tenha contribuído para a piora recente do indicador, ele se encontra em níveis elevados desde 2015, o que indica que fatores domésticos têm tido papel importante.

O único caminho possível para uma redução consistente da incerteza e o crescimento sustentado da produtividade no Brasil é persistir em uma ampla agenda de reformas.

Certamente não será fácil. Como mostra Marcos Mendes em livro recentemente publicado (“Por que é Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?”), o Brasil tem várias características que dificultam a aprovação de reformas, em especial um baixo grau de coesão social. Em sociedades com esse perfil é difícil obter consenso para a aprovação de medidas que exigem algum sacrifício no presente em troca de benefícios futuros. Outra dificuldade importante que o Brasil encontra em fazer reformas é um sistema político-eleitoral que dificulta a formação de maiorias no Congresso.

Além disso, reformas demoram a produzir efeitos. No caso do Chile, por exemplo, as reformas liberais dos anos setenta só produziram efeitos consistentes no crescimento a partir da década de 1990. De forma similar, as reformas liberalizantes da Nova Zelândia, iniciadas em 1984, levaram vários anos para produzir efeitos positivos.

Uma novidade importante é que tanto a sociedade como o Congresso parecem estar percebendo que a superação da estagnação econômica vai exigir reformas bastante abrangentes. A aprovação de uma reforma profunda da previdência e a rápida tramitação da reforma tributária na Câmara e no Senado são reveladores nesse sentido.

Também temos uma equipe econômica convencida da necessidade de reformas profundas e que parece disposta a enfrentar os obstáculos que têm surgido.

Por outro lado, em um país de baixa coesão social como o Brasil, apostar na polarização da sociedade certamente não é um bom caminho para o avanço das reformas. Apesar do surpreendente protagonismo assumido pelo Congresso, também será difícil obter um progresso consistente sem que o Executivo assuma um papel de liderança.

A redução da incerteza e a retomada consistente do crescimento econômico dependerão de como essas dinâmicas contraditórias irão se resolver.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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