Macroeconomia

O difícil ajuste fiscal de 2019

16 jul 2018

O semestre legislativo encerra-se deixando um legado de projetos aprovados, ou em estágio avançado de tramitação, que agravam ainda mais o quadro fiscal que o novo presidente encontrará em 2019. Segundo matéria publicada ontem no Estado de S. Paulo no dia 12/7, quinta-feira, o impacto da aprovação desses projetos de aumento de gastos e renúncia de receitas pode ultrapassar R$ 100 bilhões nos próximos anos.

Algumas dessas proposições legislativas, como a possibilidade de criação de 300 municípios e a inclusão no Simples das pequenas empresas que foram excluídas em janeiro deste ano, sequer possuem estimativa de impacto fiscal.

Isso reforça a posição que manifestei em debate recente publicado na Carta do IBRE de julho, segundo a qual a dificuldade de se fazer um ajuste fiscal na magnitude necessária em 2019 será muito grande, e transcende a questão de quem será o presidente eleito e mesmo de qual será sua coalizão no Congresso. A seguir, apresento alguns argumentos para sustentar esse ponto.

Em primeiro lugar, o tamanho do ajuste fiscal necessário para estabilizar a trajetória da dívida pública é muito expressivo, algo entre 4 e 5 pontos percentuais (p.p.) do PIB. Embora a recuperação da economia possa contribuir para o aumento das receitas, a melhoria do resultado primário recorrente terá de superar 3 p.p. do PIB.

Segundo, a correção desse desequilíbrio não poderá ser muito gradual. Como pudemos comprovar recentemente, um ajuste gradual é muito vulnerável à complacência que se instala no Executivo, no Congresso, e mesmo no mercado financeiro, quando a situação externa é favorável e a economia começa a melhorar. Além disso, a situação fiscal se agravou, o que também exige um ajuste mais forte.

O problema é que mesmo um ajuste gradual enfrenta enorme resistência. O teto de gastos já foi uma medida bastante gradual, com redução esperada da despesa primária de 5 p.p. do PIB em 10 anos. Mesmo assim, corre sério risco de não ser cumprido ou de ser modificado, a julgar pelas promessas de candidatos de modificar a emenda constitucional.

Terceiro, uma forte coalizão no Congresso não será suficiente para fazer o ajuste. Como mostram os trabalhos do cientista político Carlos Pereira e coautores, a qualidade da gestão da coalizão governamental é muito importante para a aprovação de reformas. Os indicadores mostram que houve melhora dessa gestão no governo Temer, e o presidente e seu partido sempre tiveram a reputação de grande capacidade de negociação junto ao Congresso.

No entanto, apesar da aprovação de reformas importantes do ambiente de negócios (trabalhista e TLP, por exemplo), não houve muito progresso na resolução da crise fiscal. Embora a aprovação do teto de gastos tenha sido importante, sua viabilidade foi comprometida pela não aprovação da reforma da previdência e pela concessão de reajustes expressivos de salários do funcionalismo, sucessivos programas de Refis e, mais recentemente, pelo subsídio ao consumo de diesel.

Mais um exemplo dessa dificuldade foi a derrubada esta semana do dispositivo que introduzia na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019 a proibição de reajustes do funcionalismo no ano que vem. Essa decisão abre caminho para que os servidores da União que negociaram acordos salariais até 2017 possam obter novos aumentos.

Indo além de questões de natureza eleitoral, temos um sério problema de coordenação das demandas por recursos. O principal objetivo do teto de gastos foi explicitar a restrição orçamentária, de forma a acomodar no orçamento as diversas demandas por recursos. No entanto, o que temos visto são tentativas de contorná-lo por meio de isenções tributárias.

A questão então é por que isso ocorre. Acredito que um problema central é a fragilidade institucional do que Luiz Guilherme Schymura tem chamado de “defesa do interesse difuso”. O Estado brasileiro é extremamente vulnerável à captura por grupos de interesse, o que se reflete não somente na crise fiscal, mas também no ambiente de negócios disfuncional.

A greve dos caminheiros, apoiada por grande parte da população, e a reação rápida e desastrada do Executivo e do Congresso mostram que, ao contrário do que muitos afirmam, os representantes dos eleitores não estão desconectados das ruas. O problema parece ser, ao contrário, que estão excessivamente conectados a determinados segmentos, mesmo que o atendimento de suas demandas específicas seja feito em detrimento do restante da sociedade.

É pouco provável que esse quadro no Congresso mude nas próximas eleições, já que os fundos partidário e eleitoral favorecem os políticos incumbentes. As barreiras à entrada são imensas para candidatos que não façam parte das máquinas partidárias ou que não representem grupos de interesse.

O problema vai além da representação no Congresso, e está relacionado ao fato de que uma parcela expressiva da sociedade não parece estabelecer qualquer relação entre o aumento do gasto público e o desastre econômico do período recente. Ao contrário, a crise parece ter desencadeado uma exacerbação do conflito distributivo, em que cada grupo procura proteger seus recursos às custas do restante da sociedade.

Por todas essas razões, acredito que será muito difícil fazer um ajuste fiscal na dimensão necessária em 2019. Para que isso seja possível, será imprescindível não somente uma liderança determinada por parte do presidente eleito e uma forte coalizão no Congresso, mas também um grande e persistente esforço de convencimento da sociedade sobre a necessidade das reformas. A médio prazo, será essencial discutir mecanismos institucionais para aprimorar a “defesa do interesse difuso”.

 

Este artigo foi publicado originalmente pelo Broadcast da Agência Estado.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.