O difícil contexto do ajuste fiscal que precisa vir
O Brasil convive com uma combinação perversa: grande desigualdade de renda e forte patrimonialismo. A atual crise fiscal é a consequência visível na economia desse terrível binômio. Sem entrar no mérito da discussão sobre o tamanho ideal do setor público, parece que a demanda por “mais Estado” não cessa de crescer.
No período aproximado que inclui a segunda metade dos anos 90 e a primeira da década de 2000, a elevação da carga tributária como proporção do PIB foi o principal remédio ministrado para o financiamento da elevação dos gastos públicos. Entre 1996 e 2005, a carga tributária subiu de 26,3% do PIB para 33,6%. O boom de commodities teve papel de destaque no período que se seguiu, na segunda metade da década passada, como indutor do crescimento econômico e do aumento da arrecadação, mesmo sem aumento do arcabouço tributário legal. Tomando-se os dez anos até 2010, os termos de troca brasileiros tiveram alta de 87%. Por fim, durante a primeira metade da atual década, as pedaladas esconderam um desequilíbrio latente e que carecia de financiamento. Em 2015, por exemplo, o governo federal quitou R$ 72,4 bilhões junto aos bancos públicos e ao FGTS. Em resumo, as despesas cresciam acima das receitas.
E o que acontece agora?
Parece que o arsenal de medidas para financiar a elevação dos dispêndios acabou. Por conta disso, não sobra outra alternativa: a solução terá que vir do controle da ânsia – que se dissemina dos grandes grupos de pressão até os mais recônditos redutos da sociedade – pela presença do Estado. Essa faceta da nossa cultura sociopolítica está refletida no fato de que, entre 1986 e 2016, a despesa primária do governo federal cresceu de 12,6% para 19,5% do PIB, segundo estudo recente de Bráulio Borges e Manoel Pires, pesquisadores associados da FGV IBRE. O inevitável período de escolha dos perdedores de benesses do setor público tem que começar logo.
O processo de “distribuição de perdas” no inadiável ajuste fiscal brasileiro é ameaçado por toda a sorte de obstáculos e empecilhos institucionais e políticos, como detalhado na Carta da Conjuntura, publicada na edição de fevereiro da revista Conjuntura Econômica. Os mercados recentemente celebraram com euforia a condenação unânime do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda instância, como se seu afastamento do páreo eleitoral abrisse caminho para que o Brasil resolvesse os grandes problemas que vêm travando o desenvolvimento nacional. Esse otimismo nos parece excessivo, uma vez que os entraves são estruturais e institucionais, com raízes profundas em nossa história e antecede de muito os governos do PT. As reformas e o ajuste fiscal podem parecer simples nas planilhas, mas são extremamente complexos e difíceis do ponto de vista da dinâmica sociopolítica brasileira. Tempos tumultuados e difíceis se aproximam.
Leia aqui a íntegra da Carta da Conjuntura.
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