Macroeconomia

O equilíbrio macroeconômico na epidemia

21 mar 2020

O Brasil é um país que nos últimos 40 anos experimentou quase todo tipo de plano de ajustamento macroeconômico ou coisa que valha. Vivenciamos agora uma situação que não se assemelha a nada do que vivemos até hoje.

Em uma economia de guerra há pleno emprego de tudo. Nessas situações ao longo da história, as mulheres deixaram de se dedicar ao trabalho doméstico e foram para as fábricas. O problema é que, como há direcionamento de parcela da produção para a atividade de guerra, os recursos que sobram para consumir são muito menores. Em geral há racionamento, com observância estrita do comprimento e punições draconianas.

No plano Collor, nós comprometemos a infraestrutura financeira, com o congelamento dos ativos financeiros, e, como consequência, produzimos uma profunda recessão. Mas a causalidade foi do setor financeiro para o setor real.

Agora temos algo diferente. Que compartilha elementos com o esforço de guerra e com um plano heterodoxo, mas cuja a fonte é o próprio setor real.

As características epidemiológicas do coronavírus e o quadro clínico que produz em humanos requer a prática de distanciamento social (DS). Esta prática é necessária para que não se sobrecarregue excessivamente os hospitais e, portanto, consigamos impedir que o impacto sobre a saúde não seja excessivo.

Nos primeiros meses, o DS terá que ocorrer em sua expressão extrema, a supressão. Todo mundo trancado em casa, saindo somente para fazer compras básicas.

O fenômeno é equivalente a uma parada súbita da produção. O produto irá cair. Haverá perda de produto. Se haverá perda de produto, terá que haver perda de renda. Adicionalmente, haverá forte redução da demanda. As pessoas trancadas em casa demandarão muito menos. Essencialmente a demanda será por alimentos, remédios e produtos de higiene pessoal, livros e algum outro item de entretenimento caseiro. Tudo o mais pode ser adiado.

Por exemplo, se todos ficam em casa, a demanda por restaurante despenca. Temos um choque negativo de demanda. Que é o que temos visto agora. Em pouco tempo o restaurante quebrará. A oferta será afetada. Toda a estrutura produtiva ficará rapidamente comprometida. Em pouco tempo, teremos uma enorme desorganização do sistema produtivo. Não será possível pensar nessa desorganização em termos de oferta e demanda.

Além de medidas clássicas para a manutenção da demanda, principalmente que visem sustentar a renda, que, de fato cairá, e muito, serão necessárias uma série de medidas de sustentação dos mercados. Principalmente dos contratos.

Neste momento é importante as autoridades monetária e fiscal, e os governos em geral, desenharem políticas públicas para manterem os contratos e o funcionamento ordenado dos mercados financeiros. Além de prover ampla liquidez para que as empresas consigam rolar capital de giro, manter seus empregados, e pagar seus compromissos, haverá a necessidade de programas para a manutenção do emprego e de complementação de renda para famílias que operam na informalidade.

Os bancos públicos, BNDES, CEF e BB, terão que trabalhar em estreita associação com os bancos privados, para prover a liquidez e garantir o capital de giro dos negócios. Adicionalmente, o BNDES terá papel de prover liquidez para o mercado de debêntures.

A dívida pública elevar-se-á e, portanto, parte do custo da parada da atividade produtiva, fruto da estratégia de supressão, será socializada.

Mas com a enorme queda da produção, não faz sentido mantermos as rendas inalteradas. Dois motivos: primeiro, o impacto sobre a dívida pública dessa estratégia seria excessivo e comprometeria o futuro. Mas há um outro motivo. Se as rendas monetárias forem mantidas intactas, começará a aparecer um excesso de recursos financeiros frente à produção, que contribuirá para desorganizar a economia.

Assim, é irreal que todos os contratos se mantenham inalterados e que todas as rendas se mantenham inalteradas com a produção parada. Aqui podemos imaginar um redutor. Todas as rendas a partir de um piso devem ser cortadas em uma parcela. Todos os salários, inclusive do setor público, e todos os aluguéis. O mesmo aplica-se para as mensalidades escolares e de clubes, por exemplo. O corte deve ser proporcional à estimativa de queda de produção que ocorrerá no trimestre. Juros reais devem ter o mesmo redutor. O mesmo não se aplica às rendas variáveis, lucros e dividendos, pois serão naturalmente reduzidas.

Em geral, salários, aluguéis e contrato de dívida têm a natureza de uma renda fixa. O risco fica com a parte que contrata o serviço. No caso, o empregador, o locatário ou o tomador do empréstimo. O problema é que estamos enfrentando um risco agregado, impossível de ser precificado, independente do comportamento das partes contratuais, e impossível de ser previsto em contratos.

Ideias como essa têm circulado em todo o mundo.[1] Penso que, em função de nossa experiência com os planos heterodoxos, temos expertise nesse tipo de ação. Também penso que, pela excepcionalidade do momento, seria possível encontrar figura jurídica que desse suporte a uma ação dessa natureza.

Finalmente, como ressaltaram Armínio Fraga e Marcos Lisboa em artigo na Folha de SP na sexta-feira última, é necessário haver políticas de apoio às atividades que não podem parar, como produção e distribuição de alimentos, remédios, material de limpeza e de higiene pessoal, segurança pública, entre outras. Os profissionais do programa saúde da família precisam ser treinados para acompanhar e ensinar os profissionais daqueles setores a se protegerem do vírus sem se fecharem em casa. Para todos que continuarão a trabalhar, é necessário haver protocolos estritos e programas de treinamento.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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