O eventual governo Lula em 2023
Pelos primeiros passos que Lula tem dado, tudo indica que fará campanha centrista em 2022. Caso vença, um governo também próximo ao centro ajudaria a reduzir resistências do empresariado e dos militares, mas política econômica e relações com Forças Armadas serão desafios.
E se Lula ganhar as eleições presidenciais de 2022? As pesquisas de opinião sugerem que a probabilidade do evento não é baixa. Como seria sua terceira passagem pelo Palácio Planalto?
Pelos primeiros passos que tem dado, tudo indica que, do ponto de vista político, Lula fará uma campanha centrista, uma vez que tem procurado partidos desse campo político, como, por exemplo, o MDB de Renan Calheiros. Além disso, já se encontrou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB.
A decisão de conduzir uma campanha centrista é correta porque o eleitorado se moveu, de maneira acentuada, para a direita em 2018, não devendo mudar radicalmente de posição ideológica em 2022. O centrismo político de Lula deverá se traduzir, caso eleito, em uma coalizão governativa também centrista. Essa solução deverá ser facilitada se Lula vencer por uma margem relativamente pequena e o PT não lograr eleger uma boa bancada no Congresso que lhe permita empurrar uma nova presidência do partido para a esquerda.
Um governo centrista chefiado por Lula também deverá ser estimulado porque o país continuará polarizado no começo do próximo mandato presidencial, dado que o antipetismo continua intenso na população e em setores do empresariado e das Forças Armadas, conquanto menos pronunciado do que em 2018.
Na verdade, a fórmula governativa ideal para Lula seria uma frente democrática que incluísse partidos da centro-direita, centro, centro-esquerda e esquerda. O líder petista teria todas as condições de formar essa frente porque, quando foi presidente em 2003-2010, integrou à sua base política partidos como PP, PTB, PL, PSD, PMDB (hoje MDB), PDT, PSB e o PCdoB. Para que esse conjunto de siglas se transforme numa coalização das forças democráticas, faltaria apenas incluir o PSDB, o DEM e o Cidadania (ex-PPS).
Recentes declarações de FHC sugerem que apoiaria a entrada do PSDB num ministério de união democrática liderado por Lula. Porém, no que toca aos tucanos, a grande questão é se políticos conservadores dentro do partido – como, por exemplo, o governador João Dória e o deputado Aécio Neves – aceitariam a proposta.
Todavia, se a margem de vitória de Lula for ampla, provavelmente governará com uma coalizão parecida com a do seu segundo mandato ou com a de Dilma Rousseff.
Montar um governo centrista ou de união democrática será a mais fácil das tarefas de Lula. Difícil mesmo será escolher a política econômica. Em suas últimas declarações, Lula tem insinuado que adotará uma política desenvolvimentista. Esta opção, porém, enfrentará grande barreiras porque, em primeiro lugar, fracassou rotundamente sob as duas presidências de Dilma Rousseff. Em segundo, porque será vista com enorme ceticismo por parte de atores decisivos – investidores nacionais e internacionais e parte do empresariado. Por último, defender uma plataforma econômica desenvolvimentista em 2022 poderá dificultar a formação de um governo de união democrática, caso Lula vença por uma pequena margem.
Aqui vai a solução mais ousada deste artigo: caso Lula vença o segundo turno por uma pequena margem e se veja compelido a constituir um ministério de união democrática, a melhor maneira de, por assim dizer, calçar economicamente o governo será patrocinar uma política consensual entre liberais e desenvolvimentistas. Sem dúvida, essa é uma tarefa dificílima.
Por conta própria, economistas liberais e desenvolvimentistas jamais chegariam a qualquer consenso. Todavia, devidamente instruídos por seus chefes políticos, tal consenso pode, sim, ser forjado. Ademais, parece haver áreas de convergência em algumas questões fundamentais entre essas duas correntes dominantes do pensamento econômico nacional.
Por exemplo, liberais e desenvolvimentistas certamente concordariam em aumentar a contribuição previdenciária dos militares e do Poder Judiciário, em dar um caráter mais progressivo à tributação, e com a importância de grandes investimentos em política social. Claro que significativas diferenças em termos de política industrial, política comercial e de redução da dívida pública permaneceriam.
Contudo, do ponto de vista intelectual, a chave para a construção do consenso liberal-desenvolvimentista é a simples constatação de que tanto um programa marcadamente desenvolvimentista quanto um marcadamente liberal não têm condições de dar certo no Brasil, uma vez que o primeiro leva à implosão da economia e o segundo esbarra em poderosos obstáculos políticos e sociais.
Por último, a questão militar. Suspeita-se em vários quarteirões que, hoje, existe um veto das Forças Armadas institucionais a Lula. Isso é apenas uma suspeita. Nada sugere que impediriam sua terceira posse. Entretanto, há setores muito radicais na reserva que têm sido estimulados pelo bolsonarismo a rechaçar o retorno de Lula. Mas, aqui, a diferença entre ativa e reserva é relevante. E, no caso, o que conta é a ativa.
De qualquer modo, desde a destituição de Dilma Rousseff em 2016 e do tuíte do general Eduardo Villas Bôas em 2018 ameaçando o Supremo Tribunal Federal caso Lula não fosse condenado por corrupção, as relações entre o líder petista e a caserna se deterioraram muito. Reverter essa deterioração será um desafio imediato de Lula caso eleito, sobretudo se a vitória for apertada. Nesse sentido, é fundamental que Lula comece desde logo a tentar estabelecer pontes com os militares. Uma possível solução seria Lula emular Michel Temer e Joseph Biden e acabar nomeando um general para liderar o Ministério da Defesa. A probabilidade de tal solução não é baixa, pois se adequa perfeitamente ao pragmatismo de Lula. Porém, isso seria um erro, uma vez que manteria os militares ainda muito próximos à política.
É imprescindível que, em um eventual governo que não seja bolsonarista a partir de 2023, os militares deixem a arena política. Uma maneira sensata de aplacar a corporação castrense será não reduzir o orçamento de investimento em defesa. Trata-se de uma alternativa difícil porque a situação econômica e social do país em 2023 ainda será muito dura. Qualquer novo Executivo Federal não associado ao atual presidente será tentado a reduzir os gastos das Forças Armadas, já que estas têm sido excessivamente beneficiadas desde 2019. Manter os investimentos em defesa será uma decisão ditada pelo realismo político, a qual permitirá Lula proteger seu flanco direito e pacificar a caserna.
A antecipação inteligente de problemas é uma arte que se perdeu no Brasil contemporâneo. As reflexões acima desenvolvidas podem parecer um tanto fora de lugar no momento atual, mas é fundamental que os analistas comecem a se debruçar sobre como seria um eventual governo de Lula a partir de 2023, o qual deverá enfrentar uma situação política, social e econômica muito complicada.
Este artigo é a reprodução da seção Observatório Político do Boletim Macro Ibre de junho/2021.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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