Trabalho

O impacto das novas tecnologias no mercado de trabalho

11 jul 2022

Artigo de David Autor, do MIT e dos maiores especialistas em mercado de trabalho, traz contribuição importante para entendermos impactos de novas tecnologias no mercado de trabalho nas últimas décadas e perspectivas futuras. 

Como discuti na última coluna, até o presente momento não foram confirmadas as expectativas de que o aumento na utilização de tecnologias de digitalização durante a pandemia poderia acelerar de forma permanente o crescimento da produtividade do trabalho.

Isso indica que a relação entre tecnologia e produtividade do trabalho é mais complexa do que pode parecer à primeira vista. Um artigo recente de David Autor (“The Labor Market Impacts of Technological Change: From Unbridled Enthusiasm to Qualified Optimism to Vast Uncertainty”), pesquisador do MIT e um dos maiores especialistas no tema, oferece uma contribuição importante para entendermos melhor esta relação.

Como o título do artigo sugere, o pensamento acadêmico sobre o assunto foi mudando ao longo do tempo em uma direção progressivamente mais pessimista. Autor examina essa evolução com base em quatro paradigmas que foram sucessivamente sendo propostos para explicar os efeitos das novas tecnologias sobre o mercado de trabalho dos Estados Unidos e de outras economias avançadas.

O primeiro e mais influente baseia-se na ideia de que a desigualdade de salários resulta de uma corrida entre, de um lado, o progresso tecnológico, que aumenta a demanda por qualificação, e de outro lado a oferta dessas qualificações pelo sistema educacional. Em particular, quando o progresso tecnológico é mais rápido que a oferta de qualificações, a demanda por trabalho aumenta mais do que a oferta, o que resulta em elevação dos salários dos trabalhadores mais qualificados.

Aplicando este modelo para os Estados Unidos, Autor mostra que a escassez relativa de trabalhadores com ensino superior a partir da década de 1980 explica o grande aumento do salário de trabalhadores com ensino superior em relação ao salário daqueles apenas com ensino médio.

Embora neste paradigma novas tecnologias possam aumentar a desigualdade, isso acontece por meio do aumento da produtividade e dos salários dos trabalhadores com maior escolaridade. No entanto, as evidências empíricas revelam que nas últimas décadas houve uma queda expressiva do salário real de trabalhadores sem ensino superior.

Para entender por que isso aconteceu, Autor analisa um segundo paradigma, que denomina modelo de tarefas-polarização. Ele se baseia no fato de que, nas últimas décadas, tarefas rotineiras foram sendo automatizadas, resultando em queda do emprego e salário dos trabalhadores com qualificação intermediária.

Por outro lado, trabalhadores de qualificação elevada que exercem atividades não-rotineiras associadas ao pensamento abstrato e criatividade tiveram aumento de emprego e salários. Outro grupo que teve aumento de emprego foi o de trabalhadores de baixa escolaridade que exercem atividades não-rotineiras de natureza manual, como cuidadores de idosos, mas com baixos salários e ausência de proteção social.

Esse padrão caracteriza a chamada polarização do mercado de trabalho, segundo a qual o crescimento das ocupações se concentrou nos grupos de alta e baixa escolaridade, com perda de empregos e salários no segmento de trabalhadores de qualificação intermediária.

Embora ajude a entender por que as novas tecnologias resultaram em queda do salário real dos trabalhadores com ensino médio, essa abordagem desconsidera que o progresso tecnológico também cria novas tarefas e ocupações. Por exemplo, Autor mostra que 60% dos empregos nos Estados Unidos em 2018 correspondiam a ocupações que não existiam em 1940.

Isso remete ao terceiro paradigma, que interpreta o impacto das novas tecnologias como resultante de uma corrida entre, de um lado, a automação de tarefas existentes, que reduz empregos, e de outro a criação de novas tarefas e empregos. Segundo estudo de Acemoglu e Restrepo baseado em dados dos Estados Unidos, essas duas forças se equilibraram entre 1950 e 1987, mas entre 1987 e 2017 a redução de emprego gerada pela automação prevaleceu sobre a criação de empregos.

O último paradigma diz respeito aos efeitos da inteligência artificial (AI) sobre o mercado de trabalho. A principal diferença em relação às tecnologias anteriores é que as novas modalidades de AI, como machine learning, podem inferir relações tácitas que não são passíveis de codificação. Por isso, as tecnologias de AI podem vir a substituir trabalhadores que exercem atividades não-rotineiras, com grande potencial disruptivo sobre o mercado de trabalho.

Diante desse quadro, Autor apresenta um conjunto de recomendações de políticas públicas e mudanças institucionais de modo a fazer com que os ganhos de produtividade da economia americana venham a ser compartilhados por toda a sociedade por meio da criação de bons empregos.

Em primeiro lugar, é preciso educar e treinar a força de trabalho para satisfazer as demandas criadas pelas novas tecnologias. Além da necessidade de aumentar a proporção de trabalhadores com ensino superior, existem várias evidências de que programas bem-sucedidos de treinamento e intermediação do emprego envolvem uma colaboração estreita entre as entidades responsáveis pela qualificação profissional e as empresas.

Em segundo lugar, Autor propõe mudanças institucionais no mercado de trabalho americano, incluindo uma elevação do salário mínimo e um aumento da abrangência e flexibilidade do sistema de seguro desemprego, de modo a incluir novas modalidades de emprego, como aquelas associadas à “economia dos aplicativos”.

Finalmente, Autor recomenda redirecionar o sistema de inovação no sentido de estimular o surgimento de tecnologias que complementem em vez de substituir o trabalho.

Tanto pelo rico diagnóstico quanto pelas propostas instigantes, o artigo de Autor deveria ser leitura obrigatória para os interessados em entender os impactos das novas tecnologias no mercado de trabalho nas últimas décadas e as perspectivas para o futuro.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 08/07/2022.

 

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