O impacto econômico imediato do fim da escala de trabalho 6x1
Perda de renda da economia seria de 2,6% no 1º cenário (redução para 40 horas) e de 7,4% no 2º cenário (redução para 36 horas). Queda de 7,4% no PIB é semelhante à sofrida pela economia brasileira na recessão de 2014 a 2016.
A proposta de Emenda Constitucional apresentada pela deputada federal Erika Hilton busca não apenas abolir a escala de trabalho 6x1, mas também reduzir a jornada semanal máxima de 44 para 36 horas. Essa iniciativa representa uma mudança significativa nas leis trabalhistas brasileiras, visando melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores ao proporcionar mais tempo para descanso e atividades pessoais, sem prejuízo da carga horária diária máxima de oito horas.
A abolição da escala 6x1, que permite apenas um dia de folga após seis dias consecutivos de trabalho, tem como objetivo promover um equilíbrio mais saudável entre vida profissional e pessoal. Com a redução da jornada semanal, seria possível implementar modelos de trabalho como a semana de quatro dias, seguindo tendências globais que apontam para ganhos em produtividade e bem-estar dos funcionários.
A mobilização em torno dessa PEC ganhou força nas redes sociais, contando com o apoio de milhões de pessoas e um abaixo-assinado com mais de 2 milhões de assinaturas. A discussão reflete um desejo crescente da sociedade por condições laborais que valorizem o bem-estar do trabalhador, sinalizando para os legisladores a importância de atualizar a legislação em consonância com as demandas contemporâneas.
É importante salientar que, independentemente de como se avalie o mérito da PEC proposta, é necessário reconhecer que há um custo econômico que ainda não foi estimado. Somente compreendendo plenamente os custos e benefícios envolvidos é possível formar uma opinião qualificada sobre o assunto. Para isso, podemos utilizar uma decomposição simples para analisar o impacto econômico potencial.
O Produto Interno Bruto (PIB) pode ser decomposto contabilmente como o resultado da produtividade por hora trabalhada (PIB / Horas Trabalhadas) multiplicada pela jornada média de trabalho (Horas Trabalhadas / População Ocupada) e pela População Ocupada (PO). A equação contábil abaixo demonstra a relação dessas variáveis:
Essa decomposição permite entender como mudanças na jornada média de trabalho podem afetar o PIB total. Reduzindo a jornada semanal de 44 para 36 horas, há uma diminuição no total de horas trabalhadas. Mantendo a produtividade por hora e o nível de emprego constantes, isso resultaria em uma redução proporcional do PIB.
Desagregando a economia em 12 setores econômicos e separando o setor formal (trabalhadores contratados via CLT ou estatutários) do informal, podemos aplicar a redução de jornada especificamente sobre o setor formal em cada setor. Essa abordagem permite estimar o impacto econômico imediato da PEC de forma mais precisa, considerando as particularidades de cada setor e a proporção de trabalhadores formais em cada um deles.
Para estimar o impacto econômico imediato da PEC que propõe a redução da jornada semanal de trabalho, foi realizado um exercício utilizando dados específicos. Foram analisados os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do segundo trimestre de 2024, juntamente com as estimativas de emprego e produtividade fornecidas pelo economista Paulo Peruchetti, do Observatório de Produtividade Regis Bonelli, da FGV/Ibre.
Para desagregar a produtividade dos setores econômicos entre formal e informal, foi examinada a relação da renda por hora trabalhada de cada setor econômico nesses dois grupos, conforme os dados da PNAD Contínua. Com essa metodologia, foram identificadas a produtividade por hora trabalhada, a jornada média e a população ocupada de 24 setores—12 setores econômicos, cada um subdividido em formal e informal.
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE
e Observatório de Produtividade Regis Bonelli (FGV/Ibre)
Nas projeções, foram considerados dois cenários distintos: a redução da jornada máxima para 40 horas semanais, que é um pouco acima do estipulado na PEC, e a redução para 36 horas semanais, conforme proposto na PEC. Importante destacar que essas reduções foram aplicadas apenas ao setor formal em cada setor econômico, mantendo o setor informal inalterado.
A projeção base manteve todos os outros fatores constantes, ou seja, assumiu-se que a produtividade por hora trabalhada e a população ocupada não seriam afetadas pela mudança na jornada de trabalho. Nesse cenário, os resultados indicaram que a perda de renda da economia seria de 2,6% no primeiro cenário (redução para 40 horas) e de 7,4% no segundo cenário (redução para 36 horas). Para efeito de comparação, uma queda de 7,4% no PIB é semelhante à experimentada pela economia brasileira durante a crise entre 2014 e 2016.
Esses números evidenciam que, independentemente dos possíveis benefícios sociais da redução da jornada de trabalho, há um custo econômico substancial que precisa ser considerado. No entanto, em um cenário otimista, é possível que os trabalhadores experimentem um aumento na produtividade por hora trabalhada, devido a fatores como mais descanso ou melhor saúde mental. No entanto, como o objetivo é estimar o impacto imediato da redução da jornada de trabalho, esse aumento não pode ser considerado muito alto. Neste exercício, hipotetiza-se um aumento-base de 1% na produtividade média.
Esse incremento de produtividade pode variar entre os setores, sendo maior naqueles onde a diferença entre as horas efetivamente trabalhadas atualmente e a jornada máxima proposta é mais significativa. Isso significa que setores como comércio e transportes observariam um ganho maior em produtividade por hora, especialmente no cenário de redução da jornada para 36 horas semanais.
Aplicando esse aumento na produtividade média, os resultados indicam que a perda econômica seria de 2,1% no primeiro cenário (redução para 40 horas) e de 6,8% no segundo cenário (redução para 36 horas). Embora haja uma leve atenuação na queda da renda da população, o impacto econômico ainda é significativo.
Por outro lado, em um cenário pessimista, as empresas e empregadores, diante dos maiores custos de trabalho resultantes da redução da jornada, podem optar por fechar suas atividades ou demitir funcionários. Nesse caso, não haveria aumentos na produtividade marginal dos trabalhadores; a produtividade média aumentaria apenas por composição, já que os trabalhadores menos produtivos teriam maior probabilidade de perder seus empregos.
A perda-base de emprego é estimada em 2,5%, variando conforme a diferença entre as horas efetivamente trabalhadas em cada setor atualmente e a jornada máxima proposta. O aumento de produtividade é estimado em 0,5%, seguindo a mesma lógica de variação setorial. Nesse cenário, a perda econômica seria de 3,3% no primeiro cenário (redução para 40 horas semanais) e de 8,1% no segundo cenário (redução para 36 horas semanais).
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE e estimativas
do Observatório de Produtividade Regis Bonelli do FGV/Ibre
É importante notar que, nessa projeção, seriam perdidos aproximadamente 1,03 milhão de empregos no cenário 1 e 1,15 milhão de empregos no cenário 2. Esses números refletem um impacto significativo no mercado de trabalho, especialmente considerando que os trabalhadores menos produtivos são os mais vulneráveis às demissões. No caso da administração pública, não foram consideradas reduções de emprego, presumindo-se que o setor público manteria seus níveis de pessoal inalterados.
Finalmente, ao combinar os dois cenários—tanto a perda de empregos quanto o aumento da produtividade marginal e média via composição—chegamos a um impacto econômico de 2,8% no cenário 1 (redução para 40 horas semanais) e de 7,6% no cenário 2 (redução para 36 horas semanais). Essa abordagem considera simultaneamente os efeitos positivos, como o ligeiro aumento na produtividade devido a melhores condições de trabalho, e os efeitos negativos, como a redução no número de empregos em decorrência dos maiores custos para os empregadores.
Assim, o custo econômico imediato da medida varia entre 2,1% e 3,3% no cenário 1 e entre 6,8% e 8,1% no cenário 2, dependendo das suposições específicas de cada cenário. No entanto, a junção das possíveis respostas positivas e negativas aponta para impactos econômicos próximos de 2,8% no primeiro cenário e 7,6% no segundo.
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE e estimativas
do Observatório de Produtividade Regis Bonelli do FGV/Ibre
Esses resultados indicam que, mesmo considerando os potenciais ganhos de produtividade e as perdas de emprego, a redução da jornada de trabalho proposta pela PEC teria um impacto econômico significativo que precisa ser cuidadosamente avaliado. É importante notar que uma perda econômica de 2,8% equivale a cerca de um ano de crescimento econômico potencial. Alguns podem considerar que esse custo é aceitável ou preferível em comparação com a situação atual relativa à jornada média de trabalho, especialmente se os benefícios em termos de bem-estar e qualidade de vida para os trabalhadores forem significativos.
No entanto, uma queda entre 6,8% e 8,1% do PIB seria extremamente significativa e traria um desconforto econômico substancial. Esse nível de redução econômica poderia se comparar a períodos de recessão profunda, impactando negativamente o emprego, a renda e a estabilidade financeira do país. Portanto, é crucial ponderar cuidadosamente os potenciais benefícios sociais da redução da jornada de trabalho contra os possíveis custos econômicos que ela acarretaria.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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