O longo e penoso caminho das crises
O IBGE divulgou um estudo sobre a demografia das empresas no Brasil que merece mais atenção e análise do que recebeu. Segundo os dados divulgados, o número de empresas no Brasil caiu em todos os anos desde 2013. Ao total, foram destruídas 382 mil empresas o que equivale a 8% do total de empresas.
Para as empresas, a crise deflagrada em 2015-16 parece que nunca acabou. De 2013 até 2018, último ano de referência da pesquisa, a taxa de sobrevivência das empresas caiu em todas as aberturas. Os níveis de empreendedorismo despencaram e houve redução da participação de empresas pequenas com elevado crescimento.
A queda da demanda por trabalho formal criou uma mão de obra excedente que foi absorvida por empregos de baixa produtividade. A informalidade se elevou e a cobertura social se reduziu. O processo de recuperação da crise de 2015 ocorreu com queda da produtividade como observei em meu artigo de estreia nesse espaço em 26 de fevereiro. Os padrões sociais despencaram e normalizamos o baixo crescimento.
É possível argumentar que esse processo é comum durante as crises. Mas não é isso que os dados mostram. O total de empresas aumentou 11% durante a grande crise financeira, entre 2008 e 2010. Os níveis de empreendedorismo e sobrevivência das empresas continuaram elevados e o emprego formal aumentou. Esses dados mostram que o caminho para a recuperação não é um dado determinado pelas forças da natureza, mas um objetivo que precisa ser decidido pelas autoridades econômicas e políticas do país.
Os efeitos de longo prazo da crise preocupam. Os economistas importaram o conceito de histerese da física para explicar que as crises produzem efeitos que extrapolam seu período de duração. As crises reduzem a inserção dos jovens no mercado trabalho, limitam suas oportunidades e as remunerações se mantêm estagnadas por muitos anos. As empresas não possuem incentivos para investir e a escassez de capital limita o potencial de crescimento da economia. A destruição das empresas, o desestímulo à inovação e ao empreendedorismo representam obstáculos que atrasam o desenvolvimento.
Na Europa, vários países adotaram restrições com a segunda onda. Os efeitos globais da continuidade da crise não podem ser ignorados e as principais economias estão combinando medidas para manter o distanciamento social onde ele se mostra necessário e iniciando esforços para a reconstrução econômica com aumento dos investimentos e saneando as empresas mais atingidas.
No Brasil, há uma onda permanente que, apesar de perder força, ainda apresenta números impressionantes. O desafio é reverter os estímulos de sustentação do distanciamento social e oferecer o apoio necessário para a recuperação. A manutenção do programa de apoio ao crédito para as micro e pequenas empresas, com menos subsídios, é uma iniciativa oportuna que segue essa prescrição. Precisa estar focada nos segmentos e empresas que tenham oportunidades mais concretas depois da pandemia.
Em outras áreas a paralisação preocupa. Na educação pública não existe nenhum movimento de coordenação para adoção de protocolos seguros ou de viabilização de ensino à distância para as crianças. Os protocolos são caros, mas o custo de não fazer nada também é muito elevado. A sociedade deveria se organizar para cobrar uma solução tempestiva para o problema da educação, pois é na idade infantil em que o aprendizado é mais importante.
Recursos para uma ação de recuperação econômica existem e eles deveriam ser fornecidos com a realocação do orçamento a partir da redução de gastos improdutivos em todos os níveis de governo e com aumento de tributação dos segmentos da sociedade que conseguem se proteger mais. Recente levantamento divulgado pelo estudo “Desigualdade das Metrópoles” mostrou que os 10% mais ricos obtiveram ganhos de renda durante a pandemia em quase metade das capitais brasileiras.
Os organismos internacionais, como o FMI, também recomendam a tributação sobre as parcelas mais abastadas da sociedade. A Espanha aprovou um imposto sobre o lucro de gigantes digitais. No Brasil, o STF segue a direção oposta e dá indicações de que irá isentar as famílias mais ricas de pagar o imposto sobre herança quando os recursos forem repatriados do exterior. Estimula, dessa forma, um planejamento tributário oportunista e que nega recursos financeiros aos Estados que estão em crise fiscal há vários anos.
O Governo decretou feriado até as eleições municipais. Na hora de discutir as prioridades fiscais e sinalizar com o futuro mais imediato do país, as lideranças políticas não conseguiram organizar a Comissão do Orçamento. No momento em que o país resolveu tirar uma folga, os efeitos de longo prazo da crise se tornam mais pronunciados e preocupam o mundo inteiro.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 28/10/2020, quarta-feira.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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