O que aconteceu com o orçamento da Educação?
Nos últimos dias houve uma série de protestos com relação aos cortes sobre a educação com ênfase nos efeitos sobre as Universidades Federais. A partir daí números distintos tentaram dar a dimensão dos cortes efetuados. Outra questão que também resultou em controvérsia é entender porque o governo tomou essa medida, em um primeiro momento entendido por muitos como uma retaliação, e que no jogo de palavras foi chamado de corte, bloqueio ou contingenciamento cujo sentido depende do objetivo do interlocutor, mas que não ajudam em nada a esclarecer nenhuma questão.
Primeiro é importante entender a motivação dessa iniciativa. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que os governos tenham metas fiscais, em particular, meta de resultado primário. Além disso, a LRF dispõe que caso se verifique que a meta não será cumprida, o governo promoverá limitação de empenho de orçamento e pagamento de modo a manter o cumprimento da meta assegurado. Essa é a motivação do contingenciamento.
Como do ano passado para cá, a economia desacelerou bastante - o orçamento foi elaborado com o crescimento econômico de 2,5% e as expectativas de mercado estão em 1,47% no presento momento - o governo reavaliou suas receitas e concluiu que seria necessário promover um contingenciamento de R$ 30 bilhões.
Esse contingenciamento colocou as despesas contingenciáveis, ou seja, as despesas que não são obrigatórias, próximas do menor patamar da série histórica. O Observatório de Política Fiscal divulga as séries de despesas discricionárias a partir de 2006 com base na metodologia da Secretaria de Política Econômica. Em termos reais, esse contingenciamento colocou a despesa contingenciável próxima do nível de 2006 (Gráfico 1).
Gráfico 1 – Despesas discricionárias (R$ bilhões de 2006)
Fonte: Observatório de Política Fiscal e Ministério da Economia.
Esse contingenciamento pode ser permanente ou temporário a depender da evolução das receitas. Como as informações são de que a atividade continua em desaceleração, o governo antecipou que deve ampliar o contingenciamento no final desse mês. A resolução dessa questão passar pela necessidade de se buscar novas receitas extraordinárias ou pela mudança da meta fiscal, caso contrário o contingenciamento vai virar corte.
Mas como isso afetou a educação?
Para analisar essa questão foram divulgadas duas informações: as úteis e as inúteis e, nesse caso, ambas estão corretas.
O MEC, por exemplo, argumentou que os cortes representam 3,5% do total das despesas do Ministério passando a ideia para o leitor que esse corte é pequeno. Essa informação está correta, mas ela é inútil, pois a maior parte das despesas não são passíveis de contingenciamento. São despesas com servidores (ativos, aposentados e pensionistas) e outros programas definidos na legislação e que estão protegidos do contingenciamento tais como o Fundeb, o programa Dinheiro na Escola, o Transporte Escolar e as sentenças judiciais. Nenhuma destas despesas são passíveis de contingenciamento conforme definiu a Lei de Diretrizes Orçamentária de 2019.
A Tabela a seguir apresenta uma estimativa da estrutura de despesas do MEC. Considerando a necessidade de se proteger também os principais programas da educação básica, conclui-se que aproximadamente 19% das despesas poderiam servir de base para o contingenciamento. O fato de uma despesa ser contingenciável, não quer dizer que ela seja irrelevante: são despesas com a manutenção de Universidades Federais, Institutos Federais de Ensino, programas de bolsas e financiamentos de pesquisa assim como outras ações relacionadas a educação básica.
Estrutura de Orçamento do MEC – 2019 (R$ Milhões)
Fonte: Siga Brasil
Do ponto de vista histórico, essa base contingenciável já significava uma contração de valores nominais em relação ao que observamos nos últimos anos. Em outras palavras, o orçamento de 2019 já apresentava um ajuste sobre as despesas discricionárias da educação (Gráfico 2). Com efeito, em função da queda das receitas, o Decreto 9.741 deu cumprimento ao contingenciamento e definiu os limites para cada Ministério.
* LOA 2019.
Descontando a inflação, os valores do MEC para as despesas discricionárias retornaram ao nível do que foi gasto em 2009, exatamente uma década atrás só que com muitas outras Universidades que foram criadas no período para serem custeadas que resultam em maiores custos de manutenção com vigilância, água, luz, por exemplo, e mais alunos sendo atendidos.
Despesas discricionárias do MEC (R$ bilhões)
* Deflacionado pela expectativa de inflação de 10/05/2019 e valores estabelecidos pelo Decreto 9.741/19.
Fonte: Observatório de Política Fiscal.
O governo corretamente tem sinalizado que esse contingenciamento é temporário pois se o cenário de receitas melhorar, será possível descontingenciar essas despesas. Infelizmente, esse cenário não é o mais provável tendo em vista que a atividade econômica continua em desaceleração com estimativas apontando que pode ficar abaixo de 1%.
A situação orçamentária parece bastante crítica. Não me lembro de nenhum contingenciamento com impacto tão grande, pois quando se chegava próximo dessa situação e não havia perspectiva de elevar as receitas, a decisão sempre foi mudar a meta fiscal. Por conta disso, a meta foi alterada em 2014, 2015, 2016 e 2017, ou seja, em quatro dos últimos cinco anos. Como tem sido lembrado pelas autoridades, contingenciamentos sempre foram feitos, a questão é que o Governo nunca havia feito isso provocando tanta balbúrdia.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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