O risco de insolvência do governo pressiona os mercados
Depois de três meses de forte reação positiva à surpresa de quão intensos foram os estímulos monetários e fiscais dados pelos governos de diferentes países, em especial nos EUA, o mercado de ativos financeiros começou a andar de lado. Isso pode ser visto tanto no mercado acionário americano (SP 500), europeu (STOXX 600) e brasileiro (IBOVESPA), como na taxa de câmbio (DXY e R$ / US$), por exemplo, que há meses oscilam em intervalos estreitos ou, pelo menos, não muito largos. Nesse meio tempo, duas variáveis principais têm determinado as oscilações de humor dos investidores.
Uma é a dinâmica da pandemia. Sinais de avanços na descoberta de uma vacina eficaz têm gerado otimismo e aumento do apetite pelo risco. Por outro lado, indicadores mostrando o recrudescimento da pandemia jogam os preços de ativos, com exceção dos títulos de dívida soberana de economias centrais, para baixo.
Isso é o que em parte ocorreu nas últimas semanas, quando houve um agravamento da pandemia na Europa, com alta significativa nas contaminações por Covid-19, que já superam o pico da primeira onda. É verdade que isso é parcialmente provocado pela maior testagem de agora, o que ajuda a explicar por que, mesmo com a forte aceleração no total de novos casos, o número diário de mortes, apesar de ter aumentado, tem se mantido em valores baixos e bem distante do nível registrado durante a primeira onda – o que pode limitar o uso de medidas de restrição de mobilidade urbana e de fechamento de negócios.
Vários governos europeus já têm implantado medidas de restrição à locomoção, com alguns epidemiologistas defendendo paralisações totais, o que tem levado os mercados globais a reverterem a tendência anterior de melhora, com aumento de aversão ao risco e de valorização do dólar. Os mercados avaliam que a recuperação econômica só será persistente quando a vacinação em massa estiver garantida. Mesmo com os avanços no desenvolvimento de diversas vacinas, provavelmente as empresas não devem conseguir as regulamentações necessárias antes do final do ano. E depois será preciso produzir e distribuir em grande escala, o que alonga o prazo até que se tenha um controle mais completo da situação sanitária.
A outra variável determinante do comportamento do mercado financeiro é a possibilidade de um novo pacote de estímulos fiscais, que mitigue o efeito contracionista do fim dos programas adotados no auge da pandemia. Quebrando uma longa tradição, os membros do comitê de política monetária do Fed têm insistido bastante na necessidade desses estímulos, cuja aprovação tem, no entanto, esbarrado no conflito entre democratas e republicanos nos Estados Unidos. As eleições de novembro nos EUA podem finalmente trazer uma solução, em uma direção ou outra, para esse impasse, mas até lá vão adicionar volatilidade aos preços de ativos.
Enquanto isso, os dados têm mostrado um quadro variado, entre países e entre setores. Nos EUA, os indicadores de atividade e mercado de trabalho apontaram enfraquecimento da recuperação da economia, com a produção industrial de setembro se contraindo 0,6% com relação ao mês anterior, ante expectativa de alta de 0,5%. No entanto, os dados europeus e chineses mostram que a recuperação segue em curso. Ou seja, o quadro é ainda de recuperação da atividade mundial, após a queda intensa durante o auge da pandemia.
Diante desse quadro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) melhorou a previsão de crescimento mundial para 2020, de -4,9% (previsão de junho) para -4,4%. Nos países desenvolvidos a revisão foi mais intensa, de -8,0% para -5,8%, com os EUA se contraindo projetados 4,3%, ante 8,0% nas previsões de junho.
Os números ainda mostram o Brasil numa situação melhor do que o restante da América Latina e do Caribe. Na região, a projeção do FMI aponta uma queda de 8,1% este ano, com o México se contraindo 9,0%. Para o Brasil, por sua vez, a queda esperada é de 5,8%, ante previsão anterior de 9,1%.
De fato, o Brasil tem sido um destaque positivo na América Latina, devido às medidas de distanciamento social mais brandas e às políticas de estímulos monetários e fiscais bem mais intensas que nos demais países da região. No entanto, as taxas de câmbio na região seguem muito pressionadas, com destaque para o Brasil. Problemas domésticos em diversos países explicam este quadro.
A recuperação da atividade no Brasil continua, com uma moderada revisão de nossa projeção de crescimento para o terceiro trimestre, agora de 7,1% em relação ao segundo trimestre, ante previsão anterior de 6,6%, divulgada no Boletim de setembro. Para o ano, agora prevemos uma queda de 5,1%, ante 5,3% anteriormente.
Se as previsões para este ano melhoraram, para 2021 as dúvidas em relação ao comportamento da economia vêm se intensificando. A alta dos juros nos mercados futuros evidencia piora nas condições de rolagem da dívida pública, além de preocupações com o comportamento da taxa de câmbio e da inflação. Apesar de a inflação corrente ainda estar abaixo da meta para este ano, e a expectativa é que assim continue em 2021, o risco fiscal passou a ser um fator importante no comportamento dos mercados. As dúvidas sobre a capacidade de o país estabilizar a dívida pública reduziram a correlação entre os prêmios de risco e inflação corrente. Os elevados prêmios de riscos são explicados pelas incertezas sobre a solvência do governo.
O monitor fiscal do FMI também aponta um cenário desafiador para as contas públicas no Brasil. Após estímulos fiscais da ordem de 8% do PIB este ano, o dobro da média dos países emergentes (entre 3 e 4% do PIB), a dívida bruta ultrapassará 100% do PIB em 2020 (segundo a métrica do FMI), o segundo nível mais alto entre os emergentes, ressaltando que a previsão para a média da América Latina é 81,6% do PIB.[1]
O momento atual requer uma estratégia de consolidação fiscal ao longo dos próximos anos. Sem uma solução satisfatória para o impasse fiscal, no sentido de reduzir o déficit primário, as condições financeiras continuarão apertadas, diminuindo o crescimento da economia brasileira ao longo dos próximos anos.
Esse é o sumário do Boletim Macro Ibre de outubro de 2020. Para ler o boletim inteiro, clique aqui.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] As estimativas para Argentina e Venezuela não foram divulgadas pelo FMI. Em 2019, a divida bruta da Argentina era de 90,4% e da Venezuela de 232,8%.
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