Macroeconomia

O Simples e a meia-entrada para todos

3 jul 2018

Esta semana foi suspensa uma sessão conjunta do Congresso Nacional por falta de quórum, mas não houve dificuldade para reunir parlamentares na segunda-feira e aprovar mais uma benesse fiscal.

Por 270 votos a 1, foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) 500/2018, que permite a readmissão das empresas excluídas do Simples Nacional em janeiro de 2018. Segundo o texto, que será enviado ao Senado, as empresas interessadas em retornar ao Simples deverão aderir ao Programa Especial de Regularização Tributária das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, conhecido como Refis do Simples, instituído pela Lei Complementar 162/2018.

Em dezembro do ano passado havia sido aprovado no Congresso o Projeto de Lei Complementar 171/2015, criando um programa de refinanciamento da dívida das micro e pequenas empresas nos mesmos termos daquele criado pelo governo na MP 783 de 2017 (Refis para as médias e grandes empresas), com redução de juros e multas de mora até 90% e 70%, respectivamente.

O projeto foi vetado pelo presidente Temer no início de janeiro de 2018. No entanto, no começo de abril o veto foi derrubado, sendo promulgado no dia 6 de abril o Refis do Simples na forma da Lei Complementar 162/2018.

Devido ao veto em janeiro, as micro e pequenas empresas que não quitaram suas dívidas até aquele mês foram excluídas do Simples. O objetivo do PLP 500/2018 é permitir que as empresas que haviam sido excluídas em janeiro possam aderir ao Refis e ser incluídas novamente no Simples.

Na justificativa da proposta, o deputado Jorginho Mello (PR-SC), Presidente da Frente Parlamentar Mista Em Defesa das Micro e Pequenas Empresas, resumiu de forma singela a motivação do projeto:

“O REFIS do Simples Nacional foi uma das maiores vitórias da história da luta dos Micros e Pequenos Empresários, uma vez que nunca existiu um refinanciamento para os pequenos com abatimento de juros e multa, coisa que para os grandes empresários já houve dezenas”.

Ou seja, já que as grandes empresas foram beneficiadas por inúmeros programas de Refis com abatimento de juros e multa, chegou a vez das micro e pequenas empresas do Simples. Trata-se de um curioso conceito de isonomia em que, ao invés de todas as empresas pagarem os impostos devidos, são concedidas isenções tributárias para todos.

O Simples Nacional representa a maior renúncia tributária, equivalente a cerca de R$ 80 bilhões em 2017. Além disso, as avaliações do programa mostram que ele não teve efeitos positivos sobre a formalização e indicadores de desempenho das empresas, como emprego e produtividade.

Isso já havia sido mostrado em dois estudos publicados em 2016 no livro “Causas e Consequências da Informalidade no Brasil”, que organizei juntamente com Fernando de Holanda Barbosa Filho e Gabriel Ulyssea.

Conforme destacado esta semana em matéria do Valor Econômico, essas conclusões foram confirmadas em estudo sobre o Simples que acaba de ser publicado no Journal of Development Economics, um dos principais periódicos acadêmicos especializados em desenvolvimento econômico.

O trabalho, de autoria de Caio Piza, economista do Banco Mundial, mostra que o Simples não contribuiu para a formalização de micro e pequenas empresas. Essa avaliação foi feita para os primeiros anos de vigência do programa, no final da década de 1990, quando envolvia somente a simplificação e redução de alíquota de impostos federais.

Uma pesquisa publicada no livro sobre informalidade já mencionado também não encontra efeitos do programa depois de 2006, quando foi criado o Simples Nacional (Supersimples), com a incorporação de impostos estaduais e municipais.

No mesmo periódico acadêmico foi publicado recentemente um estudo sobre o MEI, programa introduzido em 2009 que reduz substancialmente os custos de formalização dos microempreendedores individuais por meio de enquadramento automático no Simples, isenção de impostos federais e redução da contribuição previdenciária. Este trabalho, de autoria de Rudi Rocha, Gabriel Ulyssea e Laísa Rachter, mostra que, embora seja positivo, o efeito do MEI sobre a formalização é pequeno, concentrado nos empreendedores de faturamento mais alto, e se dissipa após alguns meses. Uma análise de custo-benefício revela que o efeito líquido do programa sobre a arrecadação de impostos é negativo.

Embora vários países tenham programas de simplificação tributária, o limite de faturamento para enquadramento das empresas no Simples é um dos mais elevados do mundo. Além disso, os outros programas são muito mais focados na dimensão de simplificação que na renúncia tributária.

De forma semelhante ao programa de desoneração da folha, poucos setores eram elegíveis quando o Simples foi criado no final da década de 1990. Ao longo do tempo, esse programa se expandiu para incluir inúmeras atividades, dentre as quais várias categorias de profissionais liberais.

Esse é um exemplo de política que foi concebida com o objetivo meritório de contribuir para a formalização e expansão de pequenas empresas, mas acabou se transformando em um programa caro e ineficaz.

Em vez de uma política horizontal de simplificação tributária, o que temos visto é uma tentativa de estender uma meia-entrada para todos. Essa conta não fecha.

Esta coluna foi publicada originalmente pelo Broadcast da Agência Estado

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.