Observações iniciais sobre a proposta para o imposto de renda das pessoas físicas
A proposta de ampliação de isenção para R$ 5.000 avança no governo, e, apesar de questionável, compensação com imposto mínimo para os mais ricos pode produzir estímulo ao consumo importante na segunda metade do ciclo político.
Durante a campanha eleitoral, os dois candidatos mais bem posicionados apresentaram uma proposta similar: a ampliação da faixa de isenção para os contribuintes que ganham até R$ 5.000. O tema voltou ao debate depois que o Ministro Haddad mencionou ter apresentado alguns modelos para a proposta, com a devida medida compensatória.
Até o momento sabe-se pouco sobre os detalhes da proposta. Mas é sabido que há um elevado custo fiscal associado à medida, pois a faixa de isenção proposta é superior à faixa de renda com tributação mais elevada atualmente, que está em R$ 4664,68, e à qual se aplica alíquota de 27,5%. Em outras palavras, a simples ampliação da faixa de isenção gera uma grande desoneração para todos os contribuintes, pois, se realizada de forma linear, levará a um reescalonamento de todos os parâmetros do sistema atual.
Também é difícil entender a motivação para a discussão do tema no momento presente. A medida tem grande impacto eleitoral e seria de se esperar que fosse aprovada apenas no final de 2025, para valer em 2026. A medida é, portanto, exagerada e a discussão inoportuna. Diante de uma série de pressões do mercado, o ministro da Fazenda adiou a discussão e reforçou a necessidade de antecipar o debate sobre como viabilizar medidas de contenção de despesas neste fim de ano.
O problema do IRPF está mais na modelagem do sistema do que na definição da faixa de isenção. Em uma pesquisa comparativa de 2023, publicada no Observatório de Política Fiscal, constatou-se que, no Brasil, a dedução por dependentes é muito baixa comparativamente aos países da OCDE[1].
A título de exemplo, uma família com quatro membros, sendo três dependentes, tende a ter uma carga tributária muito mais elevada do que uma família monoparental com a mesma renda. Apesar de terem a mesma renda, a capacidade econômica desses contribuintes é absolutamente diferente.
Ajustar esse tipo de desigualdade é mais eficiente e mais barato para o governo. Esse foi o sentido do último reajuste da tabela do IRPF, que estava no caminho certo.
A jornalista Adriana Fernandes, da Folha de São Paulo, publicou uma reportagem com indicações das medidas compensatórias que estão em análise da equipe econômica. A proposta consiste em aplicar um imposto mínimo no Brasil, com alíquota entre 12% e 15%, sobre contribuintes com ganhos superiores a R$ 1 milhão por ano. A ideia seria comparar a alíquota efetiva paga por esses contribuintes em relação à alíquota mínima. Se a carga efetiva ficar abaixo, o contribuinte pagará a diferença na declaração de ajuste.
Essa é uma forma de voltar a tributar rendas que atualmente são isentas, como lucros e dividendos e determinadas modalidades de aplicações financeiras. Segundo os dados da Receita Federal, o grupo de 0,01% da população brasileira com maior renda recebe mais da metade da sua renda na forma de lucros e dividendos. Com isso, sua carga efetiva é inferior à de quem está no meio da distribuição dos contribuintes.
Do ponto de vista macro, a mudança redistributiva deve produzir um impacto expansionista na demanda agregada. Ao tributar os mais ricos para financiar a desoneração da classe média baixa, a proposta deve estimular o consumo.
Como é possível verificar, o sistema atual é muito ruim e a proposta que está sendo colocada na mesa, ainda que com ponto de partida questionável, pode torná-lo um pouco mais justo e aquecer o debate eleitoral de 2026.
Esta é a seção Fiscal do Boletim Macro FGV IBRE de outubro de 2024.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Ver, Pires, Stivali e Reis (2023). Cunha Tributária no Brasil: estimativa, evolução e comparações internacionais. Observatório de Política Fiscal.
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