Macroeconomia

Os efeitos da pandemia sobre a produtividade do trabalho no segundo trimestre

19 out 2020

Uma característica marcante da pandemia da Covid-19 é seu efeito desigual nos diferentes setores da economia. Em particular, enquanto segmentos de serviços que envolvem maior contato pessoal, como serviços domésticos e turismo, têm sido fortemente afetados, a indústria de transformação e o comércio têm se recuperado mais rapidamente.

De um lado, cálculos do IBRE/FGV com base nas pesquisas setoriais mostram que em agosto o nível de produção do varejo foi superior ao de fevereiro, e a produção industrial ficou apenas 2,6% abaixo do nível anterior à pandemia. Por outro lado, os dados da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) divulgados esta semana indicam que, apesar de ter sido registrado em agosto o terceiro mês seguido de crescimento, o nível de produção ainda se encontra 9,8% abaixo do patamar de fevereiro.

Existe, além disso, forte heterogeneidade no segmento de serviços. Enquanto serviços prestados às famílias ainda estão 41,9% abaixo do patamar de fevereiro, os serviços de informação e comunicação se encontram apenas 2,5% aquém do nível pré-pandemia.

Outro impacto bastante desigual da pandemia ocorreu no mercado do trabalho, não somente em função da queda sem precedentes da população ocupada e da população economicamente ativa, mas também pelo fato de que, diferentemente de recessões anteriores, desta vez os trabalhadores informais foram mais atingidos que os formais.

Se considerarmos como informais os empregados sem carteira assinada, trabalhadores familiares auxiliares, e os trabalhadores por conta própria e empregadores sem CNPJ, os dados de ocupação da PNAD Contínua indicam uma redução de 18,8% no segundo trimestre deste ano em relação ao segundo trimestre de 2019. Considerando como formais os empregados com carteira assinada, militares e servidores públicos estatutários, bem como os conta própria e empregadores com CNPJ, houve queda de 4,4% na mesma base de comparação.

Os trabalhadores de baixa escolaridade foram particularmente afetados, com redução de 27% e 20% na ocupação de pessoas com até 3 anos e entre 4 e 7 anos de escolaridade, respectivamente. Por outro lado, houve aumento de 3,5% na ocupação de pessoas com 15 anos ou mais de escolaridade.

Portanto, os efeitos negativos da pandemia sobre a atividade econômica foram mais pronunciados em setores e categorias de trabalhadores de produtividade mais baixa, particularmente os informais de menor escolaridade ocupados nos segmentos de serviços domésticos e pessoais.

Para reduzir o impacto negativo da pandemia sobre esses trabalhadores, foram implementadas políticas de preservação do emprego formal e da renda do trabalhador informal. No primeiro caso, foi implantado o programa de proteção ao emprego, que possibilitou a manutenção do emprego com redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho. Para o segundo grupo, foi criado o auxílio emergencial, recentemente renovado até dezembro com valor menor do benefício.

Isso pode ajudar a explicar o fato de que os dados da PNAD Contínua referentes ao segundo trimestre revelaram uma redução muito maior (em relação ao segundo trimestre de 2019) das horas efetivamente trabalhadas (27,6%) em comparação com a população ocupada (10,7%),

Em consequência, o indicador de produtividade do trabalho construído com base nas horas efetivamente trabalhadas teve um comportamento muito diferente no segundo trimestre deste ano, quando comparado com a produtividade por pessoal ocupado e com a produtividade por hora habitualmente trabalhada.

Como mostram os dados recentemente divulgados pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli do IBRE/FGV, no segundo trimestre houve queda da produtividade por pessoal ocupado e por hora habitualmente trabalhada de 0,1% e 0,3%, respectivamente, e uma forte elevação de 23,3% da produtividade por hora efetivamente trabalhada, em relação ao segundo trimestre de 2019.

O crescimento da produtividade por hora efetivamente trabalhada, no entanto, precisa ser interpretado com bastante cautela, já que pode estar refletindo a profunda mudança no mercado de trabalho decorrente da pandemia, que afetou principalmente trabalhadores de baixa produtividade, especialmente os informais com pouca escolaridade.

Também é possível que este indicador reflita o fato de que os efeitos negativos da pandemia foram mais pronunciados em setores de produtividade mais baixa, como os segmentos de serviços domésticos e pessoais.

Diante da grande discrepância entre os diferentes indicadores de produtividade, provavelmente vamos precisar aguardar a superação da pandemia e a normalização da atividade econômica para avaliarmos com mais segurança a evolução da produtividade do trabalho no Brasil.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 16/10/2020.

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