Os efeitos da pandemia sobre a produtividade mundial
Em alguns artigos ao longo deste período de pandemia, abordei aspectos relacionados aos efeitos da Covid-19 sobre a produtividade no Brasil e no mundo. Retomo a discussão em função de novas informações que podem contribuir para uma melhor compreensão sobre o tema.
Em primeiro lugar, nas últimas semanas foram divulgados dados de produtividade no segundo trimestre para economias importantes, como os Estados Unidos e Reino Unido. Informações de produtividade em alta frequência são particularmente relevantes neste momento, dada a incerteza em relação aos possíveis efeitos da pandemia sobre a atividade econômica no longo prazo.
Segundo o Bureau of Labor Statistics (BLS), no segundo trimestre a produtividade por hora trabalhada dos Estados Unidos cresceu 2,8% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, refletindo uma queda nas horas trabalhadas maior que a do PIB. No entanto, os dados do BLS para o setor manufatureiro revelam queda da produtividade de 3,7% em relação ao segundo trimestre de 2019, com queda particularmente forte para o setor de bens duráveis (-8,3%).
Em relação ao primeiro trimestre de 2020, os dados do BLS revelam um crescimento anualizado de 10,1% da produtividade do trabalho agregada. Já a produtividade do setor manufatureiro teve queda de 14,6% na mesma base de comparação, sendo que bens duráveis tiveram redução de 26,9%.
O Fed de São Francisco, por sua vez, divulgou dados trimestrais referentes à produtividade total dos fatores (PTF). Em termos anualizados, a PTF caiu 19,2% no segundo trimestre em comparação com o primeiro. Uma medida de PTF que faz um ajuste em função da redução do grau de utilização dos fatores de produção (-17,9% em termos anualizados) revelou uma queda bem menor da PTF de 1,3% na mesma base de comparação.
O Office for National Statistics (ONS) divulgou os resultados de indicadores de produtividade do trabalho para o Reino Unido no segundo trimestre. Usando a população ocupada como medida do fator trabalho, houve queda da produtividade de 22% em relação ao segundo trimestre de 2019. Já a medida de produtividade baseada nas horas trabalhadas teve queda de 3% na mesma base de comparação. Houve, portanto, grande discrepância entre o comportamento das medidas de produtividade por hora trabalhada e população ocupada, refletindo o fato de que houve redução muito maior das horas que do emprego.
Outro elemento importante para a discussão foi a divulgação recente de um livro do Banco Mundial sobre produtividade (“Global Productivity: Trends, Drivers, and Policies”). O capítulo 3 é dedicado à análise do comportamento da produtividade em eventos muito adversos, como guerras, crises financeiras e desastres naturais, como epidemias e pandemias.
Segundo estimativas dos pesquisadores do Banco Mundial, quatro epidemias que ocorreram desde 2000 (SARS, MERS, Ebola e Zika) tiveram efeitos negativos e persistentes sobre a produtividade, reduzindo a produtividade em cerca de 4% após três anos. Um canal importante para esta queda da produtividade foi a redução do investimento devido ao aumento da incerteza, que os autores estimaram em cerca de 9% após três anos.
A pandemia da Covid-19 pode ser significativamente pior em comparação com epidemias passadas nesta dimensão, devido ao seu alcance global e ao impacto sem precedentes das medidas de distanciamento social que tiveram que ser adotadas para conter o contágio do coronavírus. As estimativas apresentadas no estudo indicam uma redução acumulada de 9% na produtividade do trabalho e de 8% na PTF três anos após crises epidemiológicas severas como a atual pandemia.
O estudo do Banco Mundial também aponta dois fatores que podem mitigar a queda da produtividade devido à Covid-19. O primeiro está associado ao fato de que tecnologias que se disseminaram durante o período da pandemia podem aumentar de forma permanente a eficiência em diversas empresas ou setores. O segundo fator é que, diante dos desafios colocados à retomada do crescimento, é possível que a pandemia tenha o efeito de estimular reformas do ambiente de negócios.
Embora ainda seja cedo para fazer um prognóstico, isso parece estar acontecendo no Brasil, com a aprovação recente do marco regulatório do saneamento, o debate no Congresso em torno da reforma tributária, e a proposta de reforma administrativa apresentada ontem pelo governo. Será de grande importância dar continuidade a este esforço reformista para mitigar os efeitos negativos da pandemia sobre a produtividade.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 04/09/2020.
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