Macroeconomia

Os efeitos da pandemia sobre a produtividade no Brasil

29 jun 2020

Um tema de grande relevância quando se analisam as consequências da pandemia da Covid-19 sobre a atividade econômica diz respeito aos seus efeitos sobre a produtividade.

Como já discuti neste espaço, a pandemia pode afetar a produtividade através de vários mecanismos. Um deles é o crescimento da produtividade no nível da empresa, que depende da acumulação dos fatores de produção e da forma pela qual são combinados para gerar bens ou serviços. Um segundo canal é por meio da realocação de fatores de produção entre firmas com diferentes níveis de produtividade dentro de cada setor. Finalmente, a realocação de fatores de produção entre setores pode produzir efeitos na produtividade agregada.

Embora os efeitos da pandemia sobre a produtividade sejam em grande parte negativos, não se pode descartar possíveis impactos positivos, como a disseminação das tecnologias de comunicação remota utilizadas durante o período de quarentena.

A medida mais utilizada é a produtividade do trabalho, que consiste no valor adicionado gerado por trabalhador ou por hora trabalhada. Desde o ano passado, o IBRE/FGV tem divulgado indicadores trimestrais de produtividade por hora trabalhada para os 12 principais setores e para a economia como um todo.

No primeiro trimestre de 2020, a produtividade agregada teve queda de 1% em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior. Isso representa uma piora em relação ao desempenho observado no quarto trimestre de 2019 (-0,6%), e consolida o quadro de redução de produtividade observado desde o primeiro trimestre de 2019.

A análise setorial permite verificar que o processo de deterioração do desempenho da produtividade se espalhou por vários setores da economia. Em particular, a produtividade da indústria de transformação caiu cerca de 2,5% no primeiro trimestre de 2020, o que representa o terceiro trimestre consecutivo de queda. No setor de serviços, a produtividade por hora trabalhada teve redução de 1,4%, o que corresponde ao vigésimo quarto trimestre consecutivo de queda da produtividade por hora trabalhada.

Apesar de sua grande relevância, esta medida de produtividade não permite avaliar o grau de eficiência com que são utilizados os recursos produtivos. Um indicador que permite esta análise é a produtividade total dos fatores (PTF), que leva em consideração não somente a produtividade da mão-de-obra, mas também a eficiência do uso de capital.

Embora existam no Brasil estimativas da PTF em frequência anual, não existem informações públicas com frequência trimestral. Com base na divulgação recente das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua, por parte do IBGE, bem como da Sondagem da Indústria, pelo IBRE/FGV, foi possível construir o indicador de PTF de periodicidade trimestral, que divulgamos esta semana no site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli.

Nosso indicador revela que a PTF teve queda muito expressiva durante a recessão iniciada no segundo trimestre de 2014, especialmente no quarto trimestre de 2015, quando teve redução de 2,6% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. A partir do primeiro trimestre de 2016, deu-se início a uma modesta recuperação, com quedas progressivamente menores ao longo de 2016 e taxas de crescimento positivas nos quatro trimestres de 2017.

No entanto, desde o primeiro trimestre de 2018, a PTF teve quedas trimestrais sucessivas. No primeiro trimestre de 2020, a PTF registrou forte redução de 1,7% em relação ao mesmo período do trimestre anterior, a maior desde o quarto trimestre de 2015. Com este resultado, que já reflete os efeitos iniciais da pandemia, a PTF registrou seu nono trimestre consecutivo de queda.

Este comportamento é atípico. Quando comparamos com outros períodos de recessão e recuperação desde o final da década de 1990, observamos que a queda da PTF durante a recessão que durou do primeiro trimestre de 2014 ao quarto trimestre de 2016 foi bem maior que em recessões anteriores. Além disso, sua recuperação foi bem menos vigorosa em comparação com períodos que se seguiram a recessões anteriores. O mesmo padrão é observado quando consideramos o indicador de produtividade por hora trabalhada.

Minha avaliação é que isso reflete em grande medida o elevado nível de incerteza. Como mostra o Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do IBRE/FGV, desde o segundo semestre de 2015 o nível de incerteza da economia brasileira encontra-se muito elevado. Em uma situação em que não existe clareza sobre a direção da política econômica, os empresários postergam investimentos e contratações formais, com consequências negativas sobre a produtividade.

Com a eclosão da pandemia, o grau de incerteza da economia brasileira subiu para um patamar histórico. Embora a incerteza tenha caído um pouco em maio, existem fortes razões para acreditar que ela permanecerá acima do nível já elevado que prevaleceu desde o segundo semestre de 2015, devido aos riscos referentes à situação fiscal, ao ambiente de negócios e de natureza política.

Por essa razão, provavelmente teremos no pós-pandemia um desempenho da produtividade semelhante ao observado no período que se seguiu à recessão de 2014-2016, possivelmente agravado pela incerteza mais elevada.

Para reverter esse quadro, será fundamental implementar uma agenda profunda de reformas. Embora o contexto atual de grave crise política torne este cenário de difícil materialização, a importante aprovação do novo marco regulatório do saneamento básico mostra que é possível avançar.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 26/06/2020.

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