Macroeconomia

Os Estados e a reforma da Previdência

14 jun 2019

Depois de muita expectativa, ontem o deputado Samuel Moreira apresentou o relatório sobre a PEC 6/2019, a Reforma da Previdência. Vários pontos da proposta do governo foram retirados pelo relator, como as mudanças no Benefício de Prestação Continuada e na aposentadoria rural, a capitalização para os futuros trabalhadores, e a possibilidade de modificações futuras no regime previdenciário ocorrerem mediante lei complementar.

Outros aspectos da proposta original também foram flexibilizados, como os parâmetros de aposentadoria dos professores, regras de transição para os funcionários públicos e trabalhadores do setor privado, e as restrições nas condições de elegibilidade ao abono salarial.

Mas a mudança com maior impacto fiscal foi a exclusão dos estados e municípios. Segundo estimativas do Ministério da Economia, a economia para os estados proporcionada pela reforma seria de cerca de R$ 350 bilhões em dez anos, refletindo tanto a queda das despesas como o aumento das receitas.

Do lado das despesas, haveria redução de gastos decorrente do aumento da idade mínima dos servidores, mudanças na correção de benefícios, e ajustes no valor de pensões e nas regras de acúmulo de benefícios. Do lado das receitas, a proposta do governo estabelecia que os estados que apresentam déficit financeiro e atuarial deveriam elevar suas alíquotas de contribuição para 14%. Além disso, poderiam criar alíquotas extraordinárias para o equacionamento dos déficits atuariais dos regimes próprios de seus servidores.

Um estudo recente da Instituição Fiscal Independente (IFI), intitulado “A Situação das Previdências Estaduais”, trouxe dados que evidenciam a dimensão da crise previdenciária dos estados. Em 2017, com exceção de quatro estados da Região Norte, todos tiveram déficit na previdência. Em alguns, o déficit superou 15% da receita corrente líquida, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. No conjunto dos estados, para um total de 4,63 milhões de segurados, o déficit foi de cerca de 1,2% do PIB.

Com as regras atuais, esses déficits vão continuar no futuro. O déficit atuarial dos estados, que considera os compromissos atuais e futuros junto aos segurados, bem como as contribuições e os ativos previdenciários, era de R$ 5,2 trilhões em 2017. Isso equivale a um passivo médio de R$ 1,1 milhão perante cada um dos servidores estaduais.

Esse desequilíbrio decorre, em primeiro lugar, da combinação de mudanças demográficas com regras que garantem aposentadoria precoce aos servidores. Entre 2006 e 2015, os inativos dos estados cresceram 37,9%, enquanto o número de ativos diminuiu 3,4%. Com isso, a relação entre ativos e inativos caiu continuamente. Em 2017, quase todos os estados tinham relação igual ou inferior a 2. Em três estados que se encontram em situação fiscal crítica (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), o número de inativos já supera o de ativos.

Esse problema é agravado pelo fato de que determinadas categorias de servidores, como professores e policiais, são beneficiados por regras de aposentadoria mais favoráveis. Na média dos estados, cerca de metade dos funcionários ativos correspondem a servidores com regras mais favoráveis de aposentadoria. No Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, esse percentual é superior a 60%.

Outro fator que contribui de forma expressiva para o desequilíbrio previdenciário dos estados é o fato de que o valor da aposentadoria é próximo da remuneração do servidor ativo, devido às regras de integralidade (aposentadoria pelo último salário da ativa) e paridade (aumento do benefício no mesmo percentual de reajustes salariais dos servidores da ativa). Embora essas condições de aposentadoria tenham acabado para quem ingressou no serviço público depois de 2003, seu peso nas contas estaduais tem sido elevado e assim continuará por vários anos.

Segundo a IFI, entre 2006 e 2015 o principal determinante da elevação do valor dos benefícios previdenciários foi a concessão de aumentos salariais aos servidores da ativa. Enquanto o valor do benefício médio pago aos inativos dos estados cresceu 32,7% em termos reais neste período, o valor da remuneração média dos servidores subiu 50,8%, também em termos reais.

Esses números não deixam dúvidas sobre a urgência de uma profunda reforma da previdência dos estados. Nesse sentido, a retirada dos estados da PEC só vai contribuir para agravar a situação.

Embora a economia proporcionada pela reforma da previdência dos estados não fizesse parte do impacto estimado de R$ 1,2 trilhão da PEC 6/2019, essa conta certamente será compartilhada com a União, como demonstram as sucessivas renegociações da dívida dos estados, e o recente embate em torno da divisão dos recursos do pré-sal.

Em última análise, o sacrifício maior será da população de baixa renda, que depende mais diretamente dos serviços públicos de educação, saúde e segurança pública. O colapso desses serviços, que já está ocorrendo em vários estados, como o Rio de Janeiro, é apenas o começo do que está por vir se nada for feito, e rápido.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

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Paulo Roberto

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