Macroeconomia

Os três equívocos no debate sobre a ociosidade da economia brasileira

9 mar 2020

O hiato do produto é uma variável não observável que mede o grau de ociosidade da economia e produz reflexos na análise da inflação e nas possibilidades de recuperação da economia brasileira. Quando o PIB potencial é superior ao PIB efetivo, o hiato se torna negativo indicando haver ociosidade na economia. Como o PIB potencial não é observável, o hiato do produto é alvo de controvérsias que refletem visões diferentes sobre sua mensuração e como interpretá-lo. A carta do IBRE de fevereiro apresentou valioso debate sobre o tema, indicando estimativas de hiato que variam de -2,2% até -5%. Como medida alternativa, a Instituição Fiscal Independente (IFI) estima o hiato do produto em -5,8%.

Os analistas que utilizam estimativas conservadoras do hiato possuem dois argumentos e uma conclusão que a meu ver levam à equívocos. O primeiro é que os setores com elevada capacidade ociosa investiram antecipando uma demanda que não acontecerá. Assim, não mais atingirão a capacidade o que induz a erros na avaliação do grau real de ociosidade da economia. O segundo argumento é que muitos investimentos não acrescentaram capacidade à economia e, portanto, não devem ser considerados no cálculo. Por ser pequeno, concluem que o hiato fechará rápido e que há pouco espaço para a política econômica sem produzir pressões inflacionárias.

Um setor com elevada ociosidade pode não se recuperar integralmente, mas o fato de apresentar capacidade ociosa produz uma força desinflacionaria sobre os bens que produz. Se a recuperação da demanda agregada ocorrer em outros setores, essa pressão desinflacionaria será compensada por pressões inflacionárias nos demais setores em que excesso de demanda ocorrer.

Esse movimento de preços é necessário porque tais mudanças determinam que os setores com falta de capacidade recebam novos recursos (humanos e físicos) para ampliar sua produção enquanto os setores ociosos possam se reestruturar para atender a demanda que lhes cabe. Assim, manter a demanda agregada é importante para esse processo ocorrer o que significa que as medidas de hiato do produto são absolutamente condicionais ao nível de demanda agregada. O limite desse processo é o controle da inflação, pois enquanto a inflação estiver abaixo da meta, será possível regular a demanda agregada e acelerar essa transição para recuperar a economia.

Se a demanda agregada cair de forma permanente, alguns setores continuarão ociosos ao passo que os demais não receberão nenhum incentivo para expandir sua produção, mantendo assim a oferta mais baixa. Com o tempo, os setores ociosos se ajustarão à nova demanda e o produto potencial se normalizará à demanda permanentemente mais baixa. Esse fenômeno é conhecido como efeito histerese e evitar isso é papel precípuo da política econômica. Este argumento, portanto, me parece equivocado.

Por outro lado, é necessário excluir os investimentos que não ampliaram a capacidade do país e recalcular o PIB potencial, mas há muita incerteza sobre o quanto deveria ser excluído. É fato que existem investimentos que se perderam, como o da Sete Brasil (com endividamento de US$ 19 bilhões) ou o Comperj (US$ 8,4 bilhões), mas existem investimentos que criaram capacidade como em aeroportos, na indústria automobilística e no setor de alimentos (principalmente, proteínas).

Assim, é importante estabelecer uma métrica para pensar essa questão. Supondo que R$ 300 bilhões dos investimentos realizados entre 2012 e 2014, não incrementaram a capacidade, calculo que o hiato do produto seria 0,7 p.p. inferior. No caso das estimativas da IFI, tal ajuste reduziria o hiato de 5,8% para 5,1% sendo bastante elevado ainda. Essa cifra de investimentos utilizada é enorme, pois equivale a 9% de todos os investimentos realizados no triênio e é superior à seis vezes o investimento da Sete Brasil.

Assim, é importante ter cautela com esse argumento. Com base nesses cálculos, é evidente que a destruição do capital não é hipótese suficiente para produzir um hiato apertado que resulte em pressões inflacionárias durante a lenta recuperação. Da mesma forma, a tal má alocação de capital não foi impeditivo para uma recuperação mais rápida durante a crise da dívida dos anos 1980. Não é à toa que as medidas de hiato mais abertas explicam melhor o comportamento recente da inflação.

Por fim, é importante considerar os efeitos da política econômica futura sobre o comportamento do hiato no tempo. Nesse sentido, o eixo está em adotar medidas contracionistas na área fiscal com redução dos gastos mais produtivos que possuem maior impacto na demanda agregada exercendo força na direção de manter o hiato, que já é grande, aberto por mais tempo.

Esse conjunto de equívocos tem levado a uma visão errática sobre o papel da política monetária no atual ciclo econômico. Há espaço para redução adicional da taxa de juros que deve ser combinado com outros instrumentos de coordenação das expectativas para alcançar maior efetividade. Independente da ação do Banco Central, o fato é que tudo indica que a taxa de juros deverá ser baixa por mais tempo que o esperado pela maior parte dos analistas.


Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 04/03/2020

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV 

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