A pandemia e a Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio

30 nov 2021

Ômicron leva à suspensão da 12ª Conferência da OMC, mas agenda de comércio permanece vasta e problemática: conflitos EUA-China, nova onda protecionista e, no rastro da pandemia, uso de subsídios associados ao adensamento de cadeias produtivas nacionais e questão das vacinas.

A 12ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), que deveria ocorrer entre os dias 30 de novembro e 3 de dezembro de 2021, foi suspensa indefinidamente, sem anúncio de nova data. A razão foi o surgimento da nova cepa da COVID-19, ômicron, que levou à proibição da entrada de pessoas oriundas de vários países africanos, entre eles a África do Sul. Segundo comunicado da OMC, uma reunião virtual foi descartada, pois o ambiente presencial é parte essencial para assegurar um cenário favorável para as negociações.

Havia muitas expectativas em relação ao resultado dessa conferência. O governo Trump paralisou o Comitê de Apelação do Mecanismo de Solução de Controvérsias (MSC), um dos pilares da OMC, além de adotar uma postura antimultilateralista. O governo Biden declara apoio ao sistema multilateral, mas ainda não resolveu o impasse do MSC e manteve as restrições comerciais em relação à China. Ademais, os Estados Unidos continuam a declarar a China como transgressora dos acordos multilaterais de comércio, em especial na área de investimentos, subsídios e propriedade intelectual. No entanto, o governo Biden, assim como o de Trump, privilegia pressões/acordos bilaterais que enfraquecem a importância do sistema multilateral. Qual seria a contribuição dos Estados Unidos para a 12ª Ministerial?

A pandemia reforçou uma tendência que já estava sendo identificada após a crise de 2008, de relativa intensificação de medidas protecionistas. Mas a maior herança é o uso de subsídios associados ao tema do adensamento das cadeias produtivas nacionais. Em especial, essa é uma questão presente no debate dos Estados Unidos, União Europeia e China. O chamado “decoupling” (dissociação) das cadeias entre os Estados Unidos e a China e entre a União Europeia e a China passam a demandar políticas de apoio à transformações das cadeias produtivas.

Nos países em desenvolvimento, como Brasil e Índia, o debate pode estar presente, mas são países que não têm como prescindir do acesso a bens intermediários e de capital associados às novas tecnologias. Em adição não possuem recursos para deslanchar pacotes com elevados subsídios para assegurarem cadeias nacionais de valor ou mesmo regionais. É pouco provável que o Brasil consiga impulsionar a construção de cadeias regionais de valor sul-americanas. Nesse caso, o interesse do Brasil é que não se perca a disciplina sobre subsídios industriais na OMC.

Havia demandas por resultados nos temas identificados como global commons. No meio ambiente, o cumprimento de metas acordadas na COP 26 irão exigir mudanças nas matrizes energéticas dos países que trazem consequências para as pautas de comércio. Defesa de objetivos na área ambiental, como a recente medida da União Europeia de proibir a importação de produtos oriundos de áreas de desmatamento ilegal, tem levado à críticas de como delimitar objetivos legítimos de preservação ambiental e formas de protecionismo.

A incorporação do tema da pandemia foi traduzida numa série de propostas que os países fizeram da relação entre comércio e saúde. Destacamos a “Iniciativa de Comércio e Saúde” (Trade and Health Initiative) proposta pelo Grupo de Ottawa, do qual o Brasil faz parte. O foco é assegurar medidas que facilitem o comércio dos insumos e das vacinas, assim como de material relacionado com a pandemia.

Observa-se, porém, como mostra a atual situação da pandemia, que o problema principal é a distribuição desigual das vacinas entre os países. Nesse sentido, havia propostas a serem discutidas em relação a um possível acordo de investimentos na área das vacinas, que viabilizasse a produção local em alguns países da África para facilitar a logística da distribuição.[1]

Depois de uma negociação que começou  nos anos 2000, um acordo sobre subsídios à pesca parecia que teria um desfecho positivo e seria uma mensagem positiva para a contribuição do comércio no tema de preservação ambiental.

Em suma, a amplitude da agenda e as dificuldades que havia para concluir negociações eram fonte de preocupação dos negociadores.

A 3ª Conferência Ministerial de Seattle de 1999 foi interrompida sob a alegação de que os protestos antiglobalistas, que ficaram conhecidos como a “Batalha de Seattle”, ameaçavam a segurança dos participantes. No entanto, obstáculos para concluir negociações na área agrícola e de serviços, a proposta de última hora de propor uma Rodada do Milênio, a insatisfação de vários países em desenvolvimento em relação aos benefícios obtidos com a sua adesão às regras da OMC, questões das agendas domésticas dos Estados Unidos e da União Europeia, entre outras, são indicativos de que os protestos foram uma boa desculpa para interromper uma Conferência que provavelmente não ia ter um bom resultado.

A pandemia é um fato e suspender a 12ª Conferência é inevitável. Fica a questão de se os países membros da OMC estavam preparados para avançar na atual agenda do sistema multilateral do comércio.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 


[1] Para uma análise mais detalhada da relação “Comércio, Investimento e COVID-19”, ver Revista Conjuntura Econômica, edição e novembro.

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