Macroeconomia

A PEC da sustentabilidade social

28 nov 2022

Além da necessidade de atender os compromissos sociais no curto prazo, é preciso sinalizar qual será o arcabouço fiscal nos próximos anos. A melhor alternativa para fazer a transição é a PEC da Sustentabilidade Social. 

Depois de alguns meses sem qualquer discussão concreta sobre possíveis soluções para os desafios fiscais do país no próximo ano, tanto o governo eleito como o Congresso têm se debruçado sobre o tema nas últimas duas semanas.

A manutenção permanente de um valor mínimo de R$ 600 por família no Auxílio Brasil/Bolsa Família terá um impacto fiscal muito elevado. Um programa social de cerca de R$ 35 bilhões em 2021 poderá custar R$ 175 bilhões em 2023. Além disso, várias despesas de saúde e educação foram subestimadas na proposta orçamentária para o ano que vem, gerando necessidade de recomposição.

Além da necessidade de atender esses compromissos sociais no curto prazo, é preciso sinalizar para a sociedade qual será o arcabouço fiscal nos próximos anos. Caso contrário, a incerteza em relação à trajetória da dívida pública continuará, com as consequências conhecidas de aumento das taxas de juros de mercado e desaceleração da atividade econômica.

A primeira minuta da PEC da Transição foi uma tentativa desastrada de lidar com essas dificuldades. Em primeiro lugar, o montante de quase R$ 200 bilhões fora do teto de forma permanente coloca a dívida em uma trajetória insustentável. Isso ocorre não somente devido ao valor excessivamente elevado, mas também pelo fato de que a taxa de juros implícita da dívida certamente aumentaria e o crescimento do PIB seria menor.

Outro grave problema é que excluir o Auxílio Brasil/Bolsa Família do teto de gastos de forma permanente tornaria impossível prever a trajetória da dívida, já que uma parcela importante das despesas poderia crescer sem limite definido. A expansão extraordinária do programa social desde o ano passado mostra que a probabilidade de que isso aconteça não é pequena. A consequência seria a desancoragem das expectativas, com forte impacto na inflação.

A mudança na PEC da Transição que tem sido veiculada na mídia nos últimos dias, no sentido de excluir o programa social do teto de gastos por quatro anos, não resolve esses problemas, já que o impacto fiscal continuaria muito elevado e se perderia definitivamente a âncora fiscal.

Com o objetivo de oferecer uma alternativa que combine responsabilidade social com responsabilidade fiscal, o Senador Tasso Jereissati apresentou esta semana a “PEC da Sustentabilidade Social”. Inspirada em proposta de Cláudio Frischtak (InterB), Marco Bonomo (Insper) e Paulo Ribeiro (Insper), a PEC propõe uma expansão de R$ 80 bilhões no limite das despesas primárias do Poder Executivo para 2023, que se incorporará definitivamente ao teto de gastos calculado para os anos seguintes.

O montante de R$ 80 bilhões foi escolhido com o objetivo de compatibilizar o aumento da despesa social com a necessidade de manter uma âncora fiscal que assegure a estabilidade da trajetória da dívida nos próximos anos.

Seria possível, por exemplo, elevar o valor básico do Auxílio Brasil/Bolsa Família para R$ 600 e dar um aumento real de 1,4% do salário mínimo, além de recompor as despesas sociais subestimadas na PLOA 2023, como Merenda Escolar e Farmácia Popular.

Segundo simulações dos autores, a elevação da base de cálculo do teto de gastos no montante de R$ 80 bilhões em 2023, com correção pelo IPCA nos anos seguintes de acordo com a regra atual do teto de gastos, seria compatível com a estabilização da dívida em torno de 84,1% em 2027-2028, seguida de queda nos anos seguintes.

Existem pelo menos duas grandes vantagens da PEC da Sustentabilidade Social em relação à PEC da Transição. Primeiro, o montante de R$ 80 bilhões permite compatibilizar a demanda social com a solvência das contas públicas. Segundo, ao colocar todas as despesas sob o teto de gastos, a proposta mantém a única âncora fiscal que ainda resta. Nesse sentido, não somente oferece uma transição para 2023, mas também um horizonte de previsibilidade para os próximos anos.

Naturalmente, o governo eleito pode vir a propor uma nova regra fiscal em 2023 e várias propostas já estão sendo debatidas. Também existe muito a ser feito no sentido de reduzir gastos tributários, de modo a aumentar as receitas e reduzir ineficiências. Também é fundamental reformular inteiramente o Auxílio Brasil para corrigir distorções, em particular o incentivo para a multiplicação de famílias unipessoais no Cadastro Único.

Mas essa é uma agenda para 2023. Para fazer a transição, a melhor alternativa é a PEC da Sustentabilidade Social.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 25/11/2022.

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