Fiscal

PEC da Transição: transição para onde?

12 dez 2022

Ainda é possível que a Câmara faça ajustes na PEC da Transição, reduzindo a elevação do teto de gastos e eliminando diversas exceções do teto. Caso contrário, a realidade se encarregará de fazer o ajuste de forma mais dolorosa. 

Após intensa discussão na mídia e depois no Congresso, esta semana foi aprovada no Senado a PEC da Transição, na forma de um substitutivo que segue para a apreciação da Câmara dos Deputados.

O desafio que se coloca é como conciliar a demanda da sociedade por uma expansão do Auxílio Brasil/Bolsa Família com a sustentabilidade das contas públicas. A primeira minuta da PEC da Transição foi uma tentativa desastrada de lidar com essas dificuldades, ao colocar quase R$ 200 bilhões fora do teto de forma permanente, o que colocaria a dívida pública em trajetória insustentável.

A versão da PEC da Transição enviada para o Congresso não foi muito melhor, apenas limitando a quatro anos o período durante qual o programa social ficaria excluído do teto de gastos. Na prática isso faria pouca diferença, tanto pelo grande impacto fiscal que permaneceria, quanto pelo fato de que é difícil imaginar que, uma vez aumentado, o montante destinado ao programa social possa vir a ser reduzido.

Como discuti neste espaço, a PEC da Sustentabilidade Social, proposta pelo Senador Tasso Jereissati, é uma alternativa muito melhor para conciliar responsabilidade social com responsabilidade fiscal. A PEC propõe uma expansão de R$ 80 bilhões no limite das despesas primárias do Poder Executivo para 2023, que seria incorporada definitivamente ao teto de gastos nos anos seguintes.

Com o montante de R$ 80 bilhões seria possível elevar o valor básico do Auxílio Brasil/Bolsa Família para R$ 600 e dar um aumento real de 1,4% do salário mínimo, além de recompor despesas sociais subestimadas na PLOA 2023, como Merenda Escolar e Farmácia Popular.

Além disso, a elevação da base de cálculo do teto de gastos em R$ 80 bilhões em 2023, com correção pelo IPCA nos anos seguintes de acordo com a regra do teto de gastos, seria compatível com a estabilização da dívida em torno de 84,1% em 2027-2028, seguida de queda nos anos seguintes.

No entanto, o substitutivo da PEC da Transição aprovado no Senado seguiu um caminho muito diferente. Embora tenha incorporado a ideia da PEC de Jereissati de colocar o Auxílio Brasil/Bolsa Família sob o teto de gastos, na prática desvirtuou completamente seu espírito de responsabilidade fiscal.

Primeiro, pelo fato de que a elevação do teto em R$ 145 bilhões é excessiva e coloca a dívida em trajetória de forte aumento nos próximos anos. Segundo, as diversas exceções ao teto incluídas no substitutivo da PEC da Transição elevam o total das despesas para mais de R$ 200 bilhões.

Os dispositivos introduzidos para sinalizar alguma preocupação fiscal são pouco efetivos. O fato de que a elevação do teto foi limitada a dois anos faz pouco diferença já que, conforme argumentado anteriormente, a probabilidade do programa social ser reduzido posteriormente é praticamente nula.

Foi também incluída a obrigatoriedade de envio pelo Executivo ao Congresso, até agosto de 2023, de um projeto de lei complementar com uma nova proposta de regra fiscal para substituir o teto de gastos. No entanto, parece pouco provável que, diante do apetite por mais gastos demonstrado pelo governo eleito e pelo Congresso, venha a ser aprovada uma regra fiscal que represente um aprimoramento do teto de gastos.

O ponto fundamental é que não existe regra fiscal que consiga estabilizar a trajetória da dívida diante de uma expansão fiscal de cerca de 2% do PIB em um contexto de dívida e taxas de juros elevadas. Um agravante é que isso ocorrerá com a economia em situação de baixa capacidade ociosa. Tanto pela resposta da política monetária como pela elevação do risco fiscal, será inevitável uma elevação das taxas de juros de mercado, o que levará a um aumento ainda maior da dívida.

Ainda é possível que a Câmara faça ajustes na PEC da Transição, tanto reduzindo o montante de elevação do teto de gastos, como eliminando diversas excepcionalizações do teto. Caso contrário, a realidade se encarregará de fazer o ajuste de forma muito mais dolorosa, como já experimentamos na crise fiscal e recessão de 2014-2016.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 09/12/2022.

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