Macroeconomia

Personalidade e o mercado de trabalho

29 set 2021

Neste post, usamos dados inéditos de jovens brasileiros, com idades entre 16 e 29 anos, para verificar se existe relação entre habilidades socioemocionais e desempenho no mercado de trabalho.  Concluímos que desempenho tem relação com habilidades socioemocionais.

Cada vez mais a literatura econômica tem se debruçado sobre o efeito de habilidades socioemocionais sobre o desempenho educacional e econômico dos indivíduos. Habilidades socioemocionais, ou não-cognitivas, são aquelas que determinam como as pessoas agem, pensam e interagem no mundo. Elas se relacionam às preferências, personalidade e comportamentos dos indivíduos e se diferenciam das habilidades cognitivas, associadas à compreensão e conhecimento. Exemplos de habilidades socioemocionais comumente utilizados na literatura econômica são a perseverança, auto-controle, auto-estima, empatia dentre outros. Para maiores detalhes, vide Heckman et al (2019) e OECD (2018).

Olhando para o desempenho no mercado de trabalho, habilidades socioemocionais já foram associadas na literatura com rendimentos, empregabilidade, produtividade, horas trabalhadas e escolha ocupacional. Muitos desses efeitos se mantêm mesmo em estudos que também utilizam dados de habilidades cognitivas e educacionais, indicando que os fatores não-cognitivos têm um efeito independente da escolaridade e da inteligência dos indivíduos.

Contudo, dada a escassez de dados, a maioria dos estudos sobre habilidades socioemocionais no mercado de trabalho ocorrem em países desenvolvidos. Poucas análises são realizadas em países em desenvolvimento.

Buscando contribuir com a literatura, em 2019 o IDados aplicou um questionário de habilidades socioemocionais nos jovens participantes da Pesquisa de Transição da Escola para o Trabalho. A Pesquisa de Transição da Escola para o Trabalho é um painel online, realizado com uma amostra representativa de jovens brasileiros entre 16 e 29 anos, que busca compreender quais os caminhos e gargalos dos jovens na transição entre a educação e o mercado de trabalho. As habilidades socioemocionais foram coletadas na 2ª onda da pesquisa e contou com 2.166 jovens respondentes.

Os resultados apresentados abaixo são um resumo do working paper “The importance of personality traits in labour force participation, unemployment, and informality”.

Na pesquisa do IDados, as habilidades socioemocionais foram medidas utilizando um instrumento psicométrico do Big Five, ou modelo de 5 fatores. O Big Five é o instrumento mais sedimentado na literatura de habilidades não-cognitivas e divide a personalidade humana em 5 fatores principais. São eles:

  1. Extroversão: tendência a ser sociável e se relacionar bem com os outros
  2. Amabilidade: preocupação com a harmonia social e capacidade de sentir empatia com o sentimento alheio
  3. Conscienciosidade: tendência a ser disciplinado e ter autocontrole
  4. Neuroticismo: tendência a possuir emoções negativas, o oposto de estabilidade emocional
  5. Abertura ao Novo: tendência a ser curioso e imaginativo

Para avaliar a relação entre os Big Five e desempenho no mercado de trabalho, utilizamos uma metodologia de Oaxaca-Blinder, dividindo homens e mulheres entre dois grupos: um de alta habilidade socioemocional (acima da mediana) e outro de baixa habilidade socioemocional (abaixo da mediana). Isso foi realizado para todos os cinco fatores e separadamente para homens e mulheres. Os resultados são apresentados nas tabelas abaixo. Vale ressaltar, que os resultados não possuem natureza causal. A ideia é apenas identificar relações entre habilidades socioemocionais e desempenho no mercado de trabalho.

Participação

Na Tabela 1 temos os resultados encontrados para a taxa de participação de homens e mulheres. O que notamos é que há uma diferença significativa na taxa de participação para homens com altos níveis de Extroversão, Conscienciosidade e Abertura ao Novo em relação a homens com baixos níveis destas mesmas habilidades. Na média, homens na parte superior da distribuição de Extroversão possuem taxa de participação de 82,1%, enquanto aqueles na parte inferior da distribuição possuem taxa de participação de 77,6%. A diferença de 4,6 pontos percentuais (p.p.) é significativa, indicando que esses grupos são realmente diferentes. O mesmo ocorre para os fatores de Conscienciosidade e Abertura ao Novo.

Já para as mulheres, encontramos diferenças significativas para todos os 5 fatores do Big Five. A única diferença negativa é para mulheres com maiores níveis de Neuroticismo. As diferenças encontradas também são superiores às estimadas para os homens, ainda mais considerando que a taxa de participação média das mulheres é inferior à dos homens. Isso indica que as habilidades socioemocionais são mais importantes para a participação de mulheres do que de homens.

Tabela 1 – Taxa de participação média entre indivíduos de alta e baixa habilidade socioemocional

 

Homens

 

Mulheres

 

Alta hab.

Baixa hab.

Dif.

 

Alta hab.

Baixa hab.

Dif.

Extroversão

0.821

0.776

0.046*

 

0.789

0.685

0.104***

Amabilidade

0.809

0.788

0.021

 

0.781

0.700

0.082***

Conscienciosidade

0.829

0.769

0.060**

 

0.778

0.698

0.080***

Neuroticismo

0.793

0.803

-0.01

 

0.712

0.757

-0.046*

Abertura ao Novo

0.835

0.770

0.066***

 

0.776

0.696

0.080***

Nota: Asteriscos indicam significância estatística da diferença encontrada *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Desemprego

Na Tabela 2 fazemos o mesmo exercício para a taxa de desocupação. Encontramos que Extroversão parece ser o único fator que importa para desocupação. Particularmente, encontramos que homens e mulheres mais extrovertidos possuem taxa de desocupação inferior a de homens e mulheres menos extrovertidos. Novamente, encontramos que a diferença é maior dentre as mulheres (-11,4 p.p.).

Tabela 2 – Taxa de desocupação média entre indivíduos de alta e baixa habilidade socioemocional

 

Homens

 

Mulheres

 

Alta hab.

Baixa hab.

Dif.

 

Alta hab.

Baixa hab.

Dif.

Extroversão

0.169

0.239

-0.070**

 

0.279

0.393

-0.114***

Amabilidade

0.206

0.201

0.005

 

0.317

0.348

-0.031

Conscienciosidade

0.184

0.224

-0.04

 

0.331

0.337

-0.006

Neuroticismo

0.225

0.186

0.039

 

0.333

0.334

-0.001

Abertura ao Novo

0.197

0.209

-0.013

 

0.317

0.351

-0.034

Nota: Asteriscos indicam significância estatística da diferença encontrada *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Informalidade

Por fim, olhamos para a taxa de informalidade. Essa análise é especialmente interessante para o contexto de países em desenvolvimento, onde há um mercado de trabalho informal maior do que em países desenvolvidos.

Vemos, novamente, que habilidades socioemocionais estão relacionadas com o desempenho de homens e mulheres. Porém, neste caso, os fatores significativos são diferentes entre os sexos. Dentre os homens, aqueles na parte superior da distribuição de Conscienciosidade possuem taxas mais baixas de informalidade (diferença de -10 p.p.). Já para as mulheres, o fator relevante é a Amabilidade, com relação positiva sobre a taxa de informalidade (diferença de 8,6 p.p.)

Tabela 3 – Taxa de informalidade média entre indivíduos de alta e baixa habilidade socioemocional

 

Homens

 

Mulheres

 

Alta hab.

Baixa hab.

Dif.

 

Alta hab.

Baixa hab.

Dif.

Extroversão

0.343

0.386

-0.044

 

0.474

0.413

0.061

Amabilidade

0.342

0.384

-0.042

 

0.492

0.406

0.086**

Conscienciosidade

0.315

0.415

-0.100***

 

0.420

0.474

-0.054

Neuroticismo

0.395

0.339

0.056

 

0.468

0.429

0.039

Abertura ao Novo

0.371

0.357

0.014

 

0.448

0.446

0.001

Nota: Asteriscos indicam significância estatística da diferença encontrada *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Conclusões e recomendações

Com os dados apresentados acima, vemos que as habilidades socioemocionais parecem estar relacionadas com desempenho no mercado de trabalho. Homens e mulheres com diferentes habilidades socioemocionais possuem diferentes taxas de participação, desocupação e informalidade. A relação entre desempenho e os fatores analisados parece ser maior para a mulheres. Em resultados não apresentados nesse post, também encontramos que essa relação é puxada tanto por diferenças na parte explicada da decomposição de Oaxaca-Blinder, como na parte não-explicada.

Entender como habilidades cognitivas e não-cognitivas impactam o desempenho no mercado de trabalho é essencial para a discussão sobre como se forma o Capital Humano dos indivíduos. A influência de habilidades socioemocionais se torna ainda mais relevante quando consideramos que elas possuem uma idade de maturação e cristalização superior à das habilidades cognitivas (Heckman et al, 2019). Isso significa que podemos influenciar na sua construção de habilidades socioemocionais (que a literatura sugere poderem ser alteradas até os 30 anos de idade) por mais tempo do que a janela de intervenção nas habilidades cognitivas (que parecem se cristalizar aproximadamente aos 10 anos de vida).


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Referências:

Heckman, James, Tomáš Jagelka, and Timothy Kautz. 2019. “Some Contributions of Economics to the Study of Personality.” Journal of Personality 5(2):155–59.

OECD (2018). “Social and Emotional Skills Well-being, connectedness and success”.

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