Fiscal

A perspectiva sombria da política fiscal deste mandato presidencial

13 jun 2024

Desastrada MP 1227 mostra que não há plano B fiscal, para além de ampliar receita a qualquer custo, e desperdiça chance de essencial discussão entre Executivo e Legislativo na esteira de relevante e positiva decisão do STF.

Recente decisão do STF aparentemente deu muito alento para o controle fiscal no Brasil.  Em essência, ao julgar o pedido do governo para que fosse suspenso o efeito da lei que desonerava impostos sobre a folha salarial de alguns setores e municípios (Ação Direta de Inconstitucionalidade 7633, proposta pelo presidente Lula, sobre a validade da Lei 14.784/2023), Cristiano Zanin considerou que os impactos orçamentários da decisão deveriam ter sido apropriadamente medidos.  Em 4 de junho o plenário do STF confirmou a suspensão da lei por 60 dias, prazo no qual deverá haver um acordo entre legislativo e executivo para que os impactos sejam levados em consideração.  Em termos mais práticos, a decisão do STF abre um caminho para que as decisões de gastos (ou de diminuição de impostos) que o legislativo impuser ao orçamento, sem que tenham sido levados em consideração, tenham que ser compensadas. Ora, por que então houve esta incrível deterioração de expectativas e aumento da taxa de juros prefixada e da taxa real dos títulos longos de tesouro nacional, aliada a uma forte desvalorização do real? Entre o fechamento do dia 3 de junho e a segunda 10 de junho (às 13:40, quando este artigo foi finalizado) a taxa pré do título de julho de 2029 passou de 11,71% para  12,00%, a taxa da NTN-B de 2050 passou de 6,28% para 6,32% e a taxa de câmbio real/dólar passou de R$5,25 para R$5,36.

Sem dúvida, para entender esta deterioração acentuada tendo uma decisão tão favorável do STF (em termos de responsabilidade fiscal), temos que ver como o ministério da fazenda propôs compensar os efeitos fiscais da lei que desonera encargos de empresas e municípios.  No próprio dia 4 de junho, o governo enviou ao congresso uma medida provisória que torna a compensação de PIS/Cofins mais difícil: poderia ser apenas dentre os próprio débitos e créditos do imposto.  O PIS/Cofins é um imposto de valor adicionado (ou valor agregado), em sua maior parte (uma exceção é o caso do que incide sobre instituições financeiras, mas em geral a regra é como um IVA).  Estes impostos, como vai funcionar no futuro o IVA brasileiro, funcionam de forma que os tributos pagos na etapa anterior da produção são descontados dos impostos incidentes sobre o produto vendido.  Assim, por exemplo, no caso de empresas que exportam, todos os impostos de valor agregado são desonerados.  Isto significa que estas empresas devem receber créditos de PIS/Cofins pelas matérias-primas e produtos que são usados na produção do bem exportado.  Este crédito não é apenas algo contábil.  Deveria até mesmo ser um crédito real, pago diretamente à empresa.  O fisco brasileiro optou por não ressarcir diretamente a empresa, mas permitir que estes créditos compensem qualquer tributo a ser pago.  É uma alternativa não tão efetiva quanto o ressarcimento direto, mas atinge seus propósitos, pois em geral os outros impostos pagos são maiores que o crédito a receber pelo PIS/Cofins que foram incidentes nos insumos.  O que esta medida provisória (MP 1227/2024) propõe é que estes créditos tenham óbices a seu recebimento.  Consiste em permitir a compensação apenas com as contribuições pagas de PIS/Cofins.  Um total absurdo, que na prática diminui ou torna mesmo ineficaz a não cumulatividade do PIS/Cofins.  Obviamente, tal barbaridade gerou uma grande reação de vários setores da sociedade.  Já por volta de sexta-feira (dia 7/6) estava claro que dificilmente esta medida vai passar incólume (se é que vai passar) no congresso.  

A meu ver esta desastrada MP mostra dois aspectos importantes que impactam sobremaneira a forma de avaliar se atingiremos o equilíbrio fiscal de longo prazo.  Primeiro, o governo não tem nenhum plano B. O plano de Lula 3, para atingir o equilíbrio fiscal é o mesmo desde o início: aumentar a arrecadação a qualquer custo.  Segundo, a decisão do STF deveria ter aberto uma porta para uma interessante e importante discussão do executivo com o legislativo sobre como compensar medidas que o parlamento tome que aumentem o déficit.  No entanto, a proposta inicial para negociação por parte do governo é tão desproposital, que as atenções não estarão voltadas para a essência do que é relevante: como compensar gastos fiscais (sejam em aumentos de despesas ou desonerações e subsídios) criados pelo congresso? 

O executivo deveria ter proposto uma lista de atividades que poderiam cortar gastos na mesma magnitude, e a discussão poderia ser focada em como priorizar estes cortes.   Um exemplo interessante está nas medidas já identificadas pela equipe de Simone Tebet (pelo noticiário aparentemente Fernando Haddad também concorda com esta lista).  Mas, poderia também incluir outras despesas previstas para este e para os próximos anos.  O que está claro é que não parece haver proposta realista para equilíbrio das contas públicas no médio ou longo prazo.  Uma perspectiva bastante sombria para as contas públicas brasileiras.  Por isso, a reação muito negativa da sociedade às medidas.  A seguir por este caminho, o mandato Lula 3 está fadado a ser mais um período de oportunidades perdidas.  Pior ainda, cristalizando um comportamento de juros muito elevados, e introduzindo enormes entraves ao crescimento de nosso país.


Esta coluna foi publicada originalmente pelo Broadcast da Agência Estado, em 12/5/2024, terça-feira.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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