Cenários

PIB potencial e juros norte-americanos: consequências para a política monetária

11 out 2023

Aumento do PIB potencial brasileiro é um fator que permite um ciclo de alta da Selic menos agressivo, enquanto alta dos juros longos dos EUA tem o efeito inverso. Qual a resultante desses dois fatores em sentidos opostos?

O crescimento do PIB tem dado constantes surpresas positivas desde 2020.  Os números que citarei adiante foram elaborados pela Buysidebrazil, sob a liderança de Andrea Damico.  As análises específicas sobre o PIB potencial são de responsabilidade de Gustavo Rostelato. 

Para ver a primeira evidência, foi notada a diferença entre as projeções de PIB que o Focus fazia em início do ano t e o PIB realizado no ano t.  Duas observações: (1) para o ano de 2020 a expectativa do Focus foi tomada em junho, quando a pandemia já tinha sido absorvida nas projeções; (2) para o ano corrente foi colocada a expectativa de PIB de 3,10% como se fosse o dado final.  Tendo em vista estas medidas desde 2003, conclui-se que: (1) entre 2003 e 2019 inclusive, a média de erro foi -0,36% (ou seja, em média surpresas ligeiramente negativas), com desvio-padrão de 1,77%; (2) entre 2020 e 2023, a média foi 2,18% com desvio-padrão de 0,67%.  Isto mostra com clareza que estatisticamente houve surpresas positivas nos últimos anos. 

Estes erros sistemáticos fazem suspeitar que há algo que alterou estruturalmente o crescimento do PIB brasileiro.  A segunda evidência dá-se pelo aumento da produtividade, que só recentemente aparece nos dados.  Na segunda dia 25/9 foram divulgados cálculos do FGV IBRE que mostram um inequívoco aumento da produtividade total dos fatores, (Valor Econômico, 25/9/2023, página A4), e ressaltado por Fernando Veloso em seu artigo para o Broadcast em 29/9/2023.  Por fim, uma terceira evidência, que me foi lembrada por Fernando de Holanda Barbosa Filho (FGV IBRE), tem causado muita perplexidade em quem analisa os impactos inflacionários e o mercado de trabalho: o rendimento médio trabalho (IBGE) está praticamente no mesmo nível do período pré-pandemia.  No entanto, o desemprego caiu muito desde a pré-pandemia: no último trimestre de 2019 rodava ao redor de 12% dessazonalizado, indo para 7,8% (também com ajuste sazonal, no trimestre que termina em setembro). Parte desta queda deveu-se ao fato de a taxa de participação ter diminuído.  A queda recente desta taxa de participação econometricamente pode ser atribuída ao aumento do valor e do alcance do bolsa família/auxílio Brasil (estudo elaborado pela Sarpen).  Para levar em consideração a diminuição na taxa de participação, uma das formas é observar uma taxa de desemprego “com taxa de participação constante”, fixada, por exemplo, no último trimestre de 2019.  Este valor hoje estaria em 10,4% (ou seja, os 7,8% seriam equivalentes a 10,4% se a taxa de participação fosse como a do fim de 2019).  Ainda assim, pode-se ver uma queda grande (de 12 para 10,4) da taxa de desemprego ajustada desde o período pré-pandemia.  Em suma, vê-se desemprego em forte queda e salário médio também menor que no fim de 2019.  Aqui parece uma evidência direta de que as mudanças no mercado de trabalho promovidas desde a reforma trabalhista e a aprovação da lei de terceirização (ambas em 2017) estão tendo um efeito muito duradouro na economia.

Existe uma hipótese que explicaria todos estes três fenômenos (recentes subestimativas persistentes de previsão do PIB, produtividade elevando-se e queda do desemprego com salário médio sem estar pressionado): um aumento da taxa de crescimento do PIB potencial.  Com efeito, Gustavo Rostelato estima, usando um arcabouço tradicional de função de produção Cobb-Douglas entre trabalho e capital, e algumas hipóteses sobre a produtividade total dos fatores, que o PIB potencial está em 2,6% ao ano (embora em algumas versões deste modelo as estimativas cheguem próximas a 3%). 

É claro, outras pessoas estão tendendo a concluir algo nesta direção.  A ata da última reunião do Copom em seu item 11 aponta o aumento de PIB potencial como uma das possibilidades.  Samuel Pessoa menciona explicitamente a elevação do crescimento potencial em entrevista a William Waack da CNN na segunda 18/9, assim como a coluna de Fabio Alves no Estado de São Paulo dia 20/9.  Na mesma linha, o diretor Gabriel Galípolo e o presidente Campos Neto mencionaram este assunto em falas públicas recentes (na última semana de setembro).  Contudo, o Focus do Bacen mostra claramente que este ponto de vista está longe de ser consenso: estimativa da sexta-feira 29/9/2023 de crescimento de longo prazo (para o ano de 2026) era 2% ao ano.

Ao mesmo tempo, vimos um movimento de elevação da curva de juros dos EUA, sobretudo no longo prazo (os juros de 10 anos estão em 4,795% ao ano e os juros reais acima da inflação medida pelo CPI estão em 2,49% ao ano, valor mais elevado desde 28/11/2008).  As razões para tanto são os descontroles fiscais de curto e médio prazos nos EUA, acoplados ao fato de estar cada vez mais claro que o FED não poderá reduzir as taxas de juros em ritmo rápido, como estava sendo previsto.  O importante para a análise da política monetária no Brasil é o impacto que este aumento causa aqui.  Viu-se o dólar elevar-se a 5,15 reais, e a curva toda de juros nominais e reais subir. 

A questão básica é responder: e agora?  Por um lado, se o aumento da taxa de crescimento do PIB potencial realizar-se, deveremos ver o Bacen cortando os juros mais rapidamente que 0,5% a cada reunião do Copom (já que teremos a economia com muito menos pressão inflacionária que antecipado anteriormente).  Por outro lado, o dólar mais valorizado, faz com que haja pressões extras na inflação.  Qual o efeito líquido destes dois movimentos?

Para tanto, Serge de Valk, da Sarpen, fez estimativas com nosso modelo prospectivo de inflação.  Testamos dois caminhos para o corte da Selic: (1) reduções de 0,5% a cada Copom, com uma última de 0,25% para atingir 9%; (2) quedas de 0,5% na próxima reunião, seguidas de três de 0,75% e depois de volta a 0,5% até atingir 9%.  Colocando o dólar fixo em termos de PPP a partir de 5,14 (média do mês até sexta-feira).  E com um hiato maior que o previsto, para aproximar algo como 2,6% de crescimento potencial do PIB.  Como hipótese para a expectativa de inflação utilizou-se o Focus.  Supõe-se que o Bacen esteja satisfeito em atingir um número de inflação em 2024 que seja abaixo de 4% ao ano e próximo a 3,5% em 2025.  Neste caso, o corte mais lento (1) dá mais segurança ao Bacen de atingir inflação abaixo de 4% em 2024.  O corte mais agressivo (2) deixa os valores da inflação no modelo bem próximos de 4%.  Desta forma, conclui-se que o efeito destas duas novidades recentes (a visão de que o PIB potencial brasileiro cresce mais e o juro norte-americano é mais estressado) faz com que o pêndulo das probabilidades penda mais para cortes mais conservadores da taxa selic.  Mas, tudo pode mudar se houver melhora na percepção sobre o comportamento do FED.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 10/10/2023, terça-feira.

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