Macroeconomia

Pobreza cai em 2022 com mais Auxílio Brasil, mas com Bolsa Família poderia haver 2 milhões a menos de pobres

1 dez 2022

Com metodologia de imputação de transferências de renda e outros rendimentos, é possível avaliar a evolução da pobreza e pobreza extrema ao longo dos últimos trimestres, com melhora graças ao maior orçamento do Auxílio Brasil.

Todo ano, em meados de abril, o IBGE divulga a PNAD Contínua Anual do ano anterior, de modo a permitir avaliações da tendência de pobreza e desigualdade do país. Ainda que isso que mostre grande capacidade técnica do instituto, não deixa de chamar atenção que, em momentos de grande instabilidade da questão social do país, se faz necessária uma medida de menor período, a ser divulgado mais próximo do momento corrente.

Desse modo, este trabalho cria um método de estimação da pobreza a partir de uma estimativa da renda de todas as fontes das famílias, a partir da probabilidade de uma família ser beneficiária da Previdência Social, do Benefício de Prestação Continuada ou do Bolsa Família/Auxílio Brasil. Também se estima a renda de outras fontes privadas daquela família.

Utilizando o último trimestre de 2021, além do crescimento do número de beneficiários do Auxílio Brasil (a partir de dados do Ministério da Cidadania), pode se calcular o percentual de famílias atendidas pelo programa – e de outras transferências, como as associadas ao orçamento de seguridade social –, assim como o total do benefício da família. Com isso, mesmo que com imprecisões, é possível prever com razoável confiabilidade o status de pobreza e pobreza extrema daquele conjunto familiar.

É preciso também levar em consideração a brusca mudança do orçamento do Auxílio Brasil, passando de cerca de R$ 3,3 bilhões por mês (40 bilhões anualizados) para mais de R$ 7,5 bilhões (90 bilhões anualizados) entre o final de 2021 e o início de 2022, e, finalmente, para R$ 12 bilhões mensais (144 bilhões anualizados) entre junho e agosto do mesmo ano. Essa metodologia permite realizar duas estimações: as taxas de pobreza em um cenário sem tal aumento orçamentário, e outro com os recursos adicionais, mas com o desenho anterior do Bolsa Família. A limitação, no entanto, desta metodologia, é que assume ausência de respostas comportamentais para tal política, o que, já se sabe, é pouco provável.

O Gráfico abaixo mostra os resultados. Como se vê, a pobreza caiu de cerca de 25% nos últimos dois trimestres de 2021 para 22,7% no primeiro trimestre de 2022, 21,7% no segundo trimestre e, finalmente, 19,4% no terceiro trimestre de 2022 – o menor percentual registrado desde 2018. Já a pobreza extrema caiu de cerca de 7,5% nos últimos dois trimestres de 2021 para 6,5% no primeiro trimestre, 5,8% no segundo trimestre e, enfim, 3,2% no terceiro trimestre de 2022 – a menor taxa de toda série histórica, inclusive no período de maior cobertura do Auxílio Emergencial.


Fonte: Elaboração Própria com Dados da PNADC e Ministério da Cidadania

Sem a expansão do Auxílio Brasil (benefício de R$ 400 + aumento do número de famílias), é importante notar, a pobreza teria crescido, como mostra o Gráfico acima. A pobreza extrema teria crescido para 8,8% no primeiro trimestre de 2022, caindo em seguida para 8,1% no segundo trimestre e 7,8% no terceiro – cerca do mesmo registrado no ano anterior. Já a pobreza teria se mantido constante no primeiro trimestre de 2022, caindo lentamente para 24% nos trimestres seguintes.

Os resultados mostram que, apesar de bem vinda, a redução da população com insuficiência de renda dependeu fortemente do aumento das transferências. Caso contrário, esta estaria ainda em nível semelhantes aos de 2019 no caso da pobreza e levemente acima no caso da pobreza extrema.

O terceiro exercício de simulação utiliza as mesmas regras do Bolsa Família para o cálculo de um benefício alternativo, mas com aumento percentual dos valores equivalente ao crescimento do benefício médio do Auxílio Brasil no mesmo período em relação ao último trimestre de 2021 (o percentual de famílias assistidas é assumido como equivalente). Com isso, é possível capturar o efeito da mudança do desenho do programa neste ano, de um benefício único para as famílias.

Como se vê, mantendo as regras do Bolsa Família, mas com orçamento do Auxílio Brasil, a pobreza estaria mais de um ponto percentual abaixo no terceiro trimestre de 2022, tirando cerca mais de 2 milhões de brasileiros desta situação de insuficiência de rendimentos. Já a diferença em relação à pobreza extrema seria menor, pelo alto valor orçamentário do programa, caindo 0,3 pontos percentuais em relação ao desenho atual, tirando cerca de 600 mil brasileiros da extrema pobreza.  

Anexo Metodológico

Para prever a renda total da população na PNAD Contínua Trimestral, é estimada, na PNAD Contínua Anual, a probabilidade de um domicílio receber pelo menos um benefício em cada Estado, de modo que serão considerados como recebedores aqueles com probabilidade relativa acima do percentual de domicílios que tinham pelo menos um beneficiário por Unidade da Federação e Trimestre.

O modelo Probit aplicado com base em um conjunto de características domiciliares: (i) ter uma mulher solteira como chefe do domicílio, (ii) número de moradores, (iii) percentual de crianças de 0 a 14 anos, (iv) percentual de adolescentes de 15 a 17 anos, (v) percentual de adultas brancas, (vi) percentual de adultas não brancas, (vii) percentual de adultos não brancos, (viii) percentual de adultos brancos, (ix) presença de idoso homem, (x) presença de mulher idosa, (xi) presença de pessoa com carteira assinada, (xii) presença de pessoa com emprego público, (xiii) quintis de rendimento do trabalho, (xiv) presença de pessoa com Fundamental Completo, (xv) Ensino Médio, e (xvi) Ensino Superior, (xii) domicílio urbano, (xviii) na capital ou (xix) na Região Metropolitana.

Os domicílios são então classificados pela probabilidade de receber um benefício, e aqueles com a maior probabilidade são simulados para recebê-lo, até que o percentual total de domicílios com pelo menos uma transferência corresponda à proporção do Estado e Trimestre. No caso de outros rendimentos privados, tal valor domiciliar per capita é estimado por meio de uma equação de Mincer tradicional, na qual o logarítmo da renda é regredido sobre o mesmo conjunto de variáveis.

Os benefícios a serem imputados são aposentadorias/pensões, o Auxílio Brasil e o BPC. Como o segundo teve aumento gradual da população atendida, este tem a probabilidade estimada por trimestre, assim como outros rendimentos privados, que também variaram no período. Já o BPC e aposentadorias são estimados no ano inteiro.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Lucas Simões
Olá, Daniel. Muito bom seu estudo, parabéns pelo trabalho!
JOSÉ MARIA SILV...
Parabéns pelo seu trabalho! Você tem em pdf para ser citado em trabalho acadêmico essa pesquisa?
Moni Kelly Sant...
Olá, vocês poderiam me explicar que critérios para pobreza e extrema pobreza estão sendo usados nessa pesquisa? Forte abraço.
Mário Ramos Ribeiro
Oi Daniel, Parabéns pelo estudo e por ter disponibilizado. Será fundamental TER ESTE MARCO em mente, de modo a BEM ENTENDER como foi possível, depois da Pandemia, depois uma chuva de meteoros que chocaram a oferta agregada, depois e durante a Guerra da Ucrânia onde estes choques voltaram a atingir a oferta, o que ocorreu e como ocorreu, para não se ERRAR de novo como de 2007 até 2016, culminando com dois anos de recessão , 2015-2026, e uma perda acumulada de 2% do PIB. Tem de ser deste MARCO em diante. Abraços

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