Fiscal

Por que meta de dívida no lugar de meta de gastos é uma ideia ruim

11 ago 2022

O que o governo controla diretamente é a despesa, e regra crível deve ser sobre gasto primário (não financeiro), idealmente seguindo modelo sueco, com metas de crescimento para principais rubricas de despesa.

A ideia de criação de uma banda de dívida pública como instrumento para limitar as despesas, cogitada pela equipe econômica me parece ruim. A experiência internacional já mostrou que meta de dívida não funciona –  a Europa tentou esse sistema por anos e agora está abandonando . Outro problema é a definição ad hoc da meta de dívida “ótima”. Países com maior proporção de dívida em moeda externa, como Argentina e Turquia, tem limite prático menor de endividamento do que aqueles em que a maior parcela é de dívida em moeda local, como o Brasil.

O que o governo controla diretamente é a despesa, e regra crível precisa ser sobre o gasto primário (não financeiro), idealmente seguindo o modelo sueco, com metas de crescimento para as principais rubricas de despesa. Ou seja, um teto operacionalizado por subtetos de gastos, o que é importante pois dá instrumentos políticos para o cumprimento da regra.

O ideal seria combinar duas características. A primeira é uma regra de médio prazo “top-down” de gasto, em que este cresce com um indexador, sendo a conciliação da regra fiscal com a regra monetária precisamente o uso da meta de inflação como indexador. Dessa forma, evita-se que uma das vertentes da política macroeconômica pise no freio e a outra no acelerador. Em vez disso, ambas miram a mesma meta e a regra é consistente do ponto de vista econômico.

Internacionalmente, esse sistema é chamado de “medium-term budget framework (MTBF na sigla em inglês, arcabouço orçamentário de médio prazo). Trata-se do que há de mais moderno em termos de sistemas fiscais.

A segunda característica é uma operacionalização “bottom-up”, pela qual, dado o ponto de partida das principais rubricas – transferência de renda, folha salarial dos servidores, subsídios, investimentos, custeio etc. –, definem-se metas de médio prazo para o crescimento de cada uma delas.

Em contraste, a meta de resultado primário – receita menos despesa não financeira – depende da dinâmica da arrecadação, sobre o a qual o governo tem menos controle e que é mais cíclica.

A meta de dívida como substituta da meta de gasto é uma ideia ruim, porque se trata de algo sobre o que o governo não tem controle direto. No Brasil ainda há a complicação adicional do efeito do deflator do PIB que ajudar a derrubar a relação dívida/PIB. No caso brasileiro, o deflator cresce sistematicamente acima do IPCA, o que, em termos de redução da relação dívida/PIB, pode ser considerado um “gol de mão”.

Um problema adicional é relativo a qual dívida vai ser utilizada: bruta ou líquida? Do setor público consolidado ou apenas do governo federal? Por razões de cobertura estatística, a dívida bruta no Brasil é a do governo geral (União, estados e municípios), enquanto a líquida é do setor público (governo geral, estatais e BC). Ambos os conceitos não incluem estatais financeiras como o BNDES, por exemplo, o que facilita operações de triangulação como as realizadas nos governo Lula e Dilma.

Ter uma meta de dívida pode ser bom se e somente se for para complementar uma âncora fiscal que seja uma regra de gasto. O mais correto seria ter uma meta de dívida bruta excluindo operações compromissadas, pois, assim, somente os fatores efetivamente fiscais seriam mensurados. Hoje, a operacionalização da política monetária acaba afetando a dívida bruta via operações compromissadas e é errado conceitualmente considerá-las numa potencial meta de dívida que busque captar desvios do desempenho fiscal em si mesmos.

Com esse arcabouço –  teto mais subtetos de gasto atrelados ao centro da meta de inflação, e mensuração de dívida adequada – um governo de direita que queira reduzir a dívida de forma mais acelerada pode privatizar e usar os recursos para abater o endividamento mais rapidamente; enquanto um governo de esquerda pode seguir a regra fielmente e minimizar o risco de insolvência ou de insustentabilidade da dívida – minimizando igualmente a percepção de risco de mercado sobre a política econômica.

Ambos teriam discricionariedade para definir o quanto querem ampliar de gasto “bottom-up”, desde que cumprida a restrição orçamentária do teto “top-down”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Helder Rebouças
Caro Gabriel sua reflexão é oportuna e requer mesmo exames de impactos de limites à dívida. De qualquer forma, é sempre bom lembrar que se trata de determinação constitucional a limitação, pelo Senado e por proposta do Execitivo, da dívida consolidada ...União, Estados e Municípios ( Art.52,VI da Constituição Federal).
Gabriel Barros
Caro Helder, grato pelas suas considerações. Sim, tens razão quanto a atribuição legal, porém penso que há medidas alternativas de dívida que sejam superiores para efeito de gestão de política econômica e link com a percepção de risco fiscal pelo mercado. Também entendo que temos que aprimorar a LRF, que vem perdendo enforcement ao longo do tempo e tem relação com a (in)capacidade de cumprimento da missão institucional por parte dos Tribunais de Conta. O debate sobre regra, meta ou projeção de dívida ainda precisa considerar o fato de termos um problema com a regra de ouro no Brasil. Em resumo, a revisão não deveria ser pontual e sim sistêmica, de todo o arcabouço fiscal como forma de corrigirmos as inconsistências e reduzido enforcement. Espero que o Brasil não cometa os mesmos erros que a UE.
João
Gabriel, pelo o que pude apurar nos sites de notícias, a meta de dívida seria complementar ao teto de gastos. Dessa forma, vejo a medida com bons olhos.
José Carlos
Senhor Editor, Por que foi suprimida a data de publicação desse artigo?
fernando.dantas
Prezado, para mim aparece como 11/08/2022.

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