Macroeconomia

Por que a produtividade não cresce apesar das reformas?

29 nov 2021

Embora reformas sejam condições necessárias para o aumento da produtividade, elas nem sempre são suficientes. Um fator fundamental para o efeito positivo das reformas anteriores foi a continuidade de uma política econômica responsável sob o ponto de vista fiscal. 

Mesmo para os analistas mais céticos em relação ao vigor da retomada do crescimento da economia brasileira no pós-pandemia, o cenário para os próximos anos está se tornando particularmente negativo.

Como salientou minha colega Silvia Matos em matéria publicada na Folha de S. Paulo há pouco mais de um mês, a verdadeira “recuperação em V” não significa simplesmente voltar ao patamar pré-pandemia. A comparação correta deveria ser quando a economia atingirá a tendência pré-pandemia. De acordo com seus cálculos, somente no último trimestre de 2025 a economia deverá voltar ao patamar em que estaria caso a tendência de crescimento verificada de 2017 a 2019 não tivesse sido interrompida pela pandemia do coronavírus.

Essa projeção baseava-se na hipótese de que a economia cresceria cerca de 1,5% em 2022 e aceleraria a partir de 2023 para uma taxa próxima de 3% ao ano. Este cenário era otimista ao supor uma forte aceleração do crescimento a partir do novo mandato presidencial, mas parecia factível pelo menos em 2022.

No entanto, os dados de atividade econômica recentemente divulgados mostram que esse cenário ficou mais distante. A projeção do FGV IBRE para o crescimento do PIB em 2022 foi revisada para 0,7%, em linha com a mediana das expectativas de mercado divulgada esta semana pelo Boletim Focus. Além disso, várias instituições financeiras e consultorias estimam que haverá estagnação ou queda da atividade econômica ano que vem.

As perspectivas de crescimento a partir de 2023 também não são animadoras, apesar de várias reformas terem sido aprovadas nos últimos anos. Isso é de certa forma surpreendente, já que tanto a literatura acadêmica como a experiência brasileira mostram que reformas econômicas contribuem para o crescimento da produtividade.

Para citar um exemplo histórico, existem evidências de que as reformas institucionais do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) implementadas entre 1964 e 1967 tiveram papel muito importante para explicar o milagre econômico de 1968-1973. Dentre essas reformas, podem ser destacadas a criação de um imposto sobre o valor adicionado na comercialização de bens (ICM, posteriormente transformado no ICMS), que substituiu um imposto de vendas incidente sobre o faturamento. Foram também criados vários instrumentos financeiros que viabilizaram a criação do mercado de capitais, assim como o financiamento do setor habitacional e do segmento de bens de consumo duráveis.

De forma análoga ao PAEG, o Plano Real combinou medidas de estabilização com mudanças institucionais para modernizar a economia brasileira depois de décadas de forte intervenção estatal e substituição de importações. As privatizações de empresas estatais, a criação de agências reguladoras e a reestruturação do sistema financeiro, com redução da participação de bancos públicos, foram componentes importantes dessa estratégia, dando continuidade à abertura da economia iniciada no final da década de 1980.

No início dos anos 2000, essa agenda teve o importante reforço das reformas microeconômicas voltadas para a melhoria das garantias no mercado de crédito, com a criação do crédito consignado, aprimoramento de mecanismos de alienação fiduciária e a aprovação da Lei de Falências. Existem vários estudos que mostram que essas reformas dos anos 1990 e da primeira metade dos anos 2000, e particularmente a abertura comercial e o aprimoramento das garantias no mercado de crédito, tiveram efeitos positivos sobre a produtividade.

Desde 2016, o país entrou em novo ciclo de reformas. Na área de mercado de trabalho, houve um avanço importante no sentido de aumentar a flexibilidade das relações trabalhistas e reduzir a insegurança jurídica com a aprovação da reforma trabalhista e da lei que estendeu a terceirização para atividades-fim.

A criação da TLP contribuiu para a redução de distorções que decorriam do crédito subsidiado do BNDES e a implementação do cadastro positivo pode ter papel relevante para a diminuição do spread bancário. Outras medidas relevantes foram aprovadas no Congresso, como a duplicata eletrônica, e o Banco Central tem feito um trabalho muito importante no contexto das agendas BC+ e BC#, como a criação do PIX e a atual implementação do open banking.

Este novo conjunto de reformas justifica certo otimismo em relação a uma aceleração do crescimento da produtividade. Nesse sentido, é surpreendente que a produtividade tenha caído em 2019. Embora tenha havido um aumento expressivo em 2020, já argumentei neste espaço que ele refletiu principalmente o fato de que a pandemia afetou mais os setores e trabalhadores menos produtivos. De fato, os indicadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE já indicam uma desaceleração do crescimento da produtividade em 2021.

Para entender por que a produtividade não cresce apesar das reformas, é importante ressaltar que, embora reformas sejam condições necessárias para o aumento da produtividade, elas nem sempre são suficientes. Um fator fundamental para o efeito positivo das reformas anteriores foi a continuidade de uma política econômica responsável sob o ponto de vista fiscal. Tanto no período do milagre, como no primeiro governo Lula, os pilares da política econômica foram mantidos, o que reduziu consideravelmente o grau de incerteza e viabilizou o investimento de longo prazo.

Outro fator importante para o impacto positivo das reformas do PAEG e Plano Real foi o cenário externo favorável entre 1968 e 1973 no período do milagre e o boom da economia mundial nos anos 2000. Esse quadro internacional benigno permitiu que empresas produtivas pudessem aproveitar os ganhos de eficiência propiciados pelas reformas e expandir sua participação no mercado.

No atual momento, entretanto, essas condições não estão asseguradas. De um lado, o cenário externo parece cada vez mais desfavorável com a iminência de elevação das taxas de juros internacionais. No lado doméstico, os problemas fiscais e as turbulências políticas, agravadas pela polarização do cenário eleitoral, contribuem para que a incerteza permaneça num patamar muito elevado. Talvez tenhamos que esperar o próximo governo para que as reformas tenham o impacto almejado na produtividade.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 26/11/2021.

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