Macroeconomia

Por que a taxa de participação se estabilizou em nível tão abaixo do padrão histórico?

2 jul 2021

Diferentes fatores têm atuado em direções opostas, causando a estabilidade da taxa de participação brasileira, que deve se manter no segundo trimestre de 2021, caso os parâmetros se comportem como projetado.  

A força de trabalho – outrora denominada população economicamente ativa – se define pelo número de pessoas ocupadas ou procurando se ocupar. Ela depende tanto do número de pessoas em idade para trabalhar (PIT) quanto da taxa de participação desse grupo. No Brasil, a PNAD Contínua considera como PIT todos aqueles com pelo menos 14 anos de idade. Normalmente, se interpreta a taxa de participação como “oferta de trabalho”, uma variável relacionada com a propensão média da população adulta a trabalhar.

Desde 2020, com a pandemia, registrou-se em todo mundo uma brusca queda da taxa de participação. Esse movimento já era esperado, uma vez que, por um lado, houve a introdução de medidas que dificultavam a procura por empregos, como quarentenas e lockdowns, e, por outro, também foram criados diversos programas de compensação dos efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho, com grande aumento das transferências às famílias.

No entanto, mesmo após o arrefecimento da situação da pandemia (em alguns países, o que não inclui o Brasil), além do início das vacinações e redução ou fim dos benefícios, a taxa de participação continua não apenas abaixo do nível anterior ao da pandemia, mas também estável ao longo de 2021. Esse fenômeno, que será investigado nesta seção, não ocorre apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos, que estão com um nível estável de julho de 2020 até maio de 2021.

Gráfico 1: Taxa de Participação mensal do Brasil e Estados Unidos (EUA), em %

Fonte: PNADC mensalizada e Federal Reserve Bank of St. Louis; https://fred.stlouisfed.org/series/CIVPART

Observando um número maior de países (sem incluir o Brasil), a taxa de participação caiu drasticamente em diversos deles, mas principalmente no mundo em desenvolvimento, como nos casos de Chile, África do Sul, México e Colômbia. Em relação ao segundo trimestre de 2019, apenas seis dos 32 países, dentre os quais Alemanha, Japão e Holanda, mostraram uma taxa de participação em nível igual ou superior ao final do período. Observando apenas o primeiro trimestre de 2021, para o qual somente 27 países têm dados, 13 tiveram redução da taxa de participação em relação ao trimestre anterior, e apenas três tiveram aumento acima de 0,5%: Alemanha, França e Itália.

Gráfico 2: Taxa de Participação por país

Nível                                                                                  Base 100 no Trimestre 2019-Q2

Fonte: OCDE

Economistas apontam uma série de fatores que também podem estar atrapalhando o retorno dos trabalhadores à força de trabalho: cuidados infantis, riscos contínuos de saúde, complicações de saúde devido à Covid, aposentadorias precoces, mudanças ou reavaliações de carreira, dentre outros. No entanto, ainda não há consensos ou pesquisas mais rigorosas sobre essas causas.

Em muitos trabalhos econométricos, busca-se entender o que faz com que trabalhadores ofertem ou não sua mão de obra. Sabe-se que a oferta de trabalho depende da própria situação do mercado de trabalho e dos rendimentos que se poderiam obter sem trabalhar (como, por exemplo, transferências de renda). Evers et al. (2008) encontraram, em meta-análise de trabalhos empíricos, uma elasticidade salarial da oferta de mão de obra (isto é, a variação percentual nas horas trabalhadas como resultado de uma variação de 1% do rendimento por hora trabalhada) de cerca de 0,5 para mulheres e 0,1 para homens, para um conjunto de países formado por Holanda, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. García et al. (2017) concluíram que o programa Juntos, implementado no Peru, reduziu o trabalho remunerado das mulheres nas famílias beneficiárias em nove horas por semana.

Na seção ‘Em Foco’ do Boletim Macro de abril de 2020, foi realizado exercício de elasticidade da oferta de trabalho das famílias de acordo com condições do mercado de trabalho e transferências de renda, utilizando-se a PNAD Contínua Anual, que contém informações longitudinais (ou seja, em diferentes momentos do tempo) dos domicílios brasileiros, relativas ao mercado de trabalho e demais rendimentos. Utilizando projeções de emprego, salários e volume de transferências do auxílio emergencial, projetou-se uma redução de 2,5 p.p. no total da taxa de participação, que, no entanto, acabou caindo quase sete pontos percentuais. Dentre as razões para a subestimação, esteve o menor número de domicílios beneficiados pelo auxílio emergencial e uma situação do mercado de trabalho consideravelmente pior – no entanto, grande parte continua sem associação com as variáveis no modelo, potencialmente devido a uma forte mudança comportamental da população, que evitou buscar ocupações devido ao medo da pandemia.   

Gráfico 3: Taxa de Participação por gênero e cor/raça

Fonte: PNADC

Para atualizar o estudo e compreender os mecanismos do movimento da população nos últimos anos, no entanto, há desafios, como a não publicação (até agora) dos dados da PNAD Contínua Anual, que contêm informações de rendimento do não trabalho – sem a inclusão do auxílio emergencial, qualquer análise seria inaceitavelmente incompleta. Portanto, para não se perder tal dimensão, será avaliada a probabilidade[1] na PNAD Covid de um domicílio receber pelo menos um benefício em cada Estado, de modo que serão considerados como recebedores aqueles domicílios com probabilidade relativa acima do percentual dos domicílios que tinham pelo menos um beneficiário por Unidade da Federação no mês central de cada trimestre, o que é exposto na tabela abaixo.

Tabela 1: Percentual de Domicílios com pelo menos um Auxílio Emergencial por Estado

 

mai/20

ago/20

nov/20

RO

42,8%

47,8%

45,1%

AC

47,4%

57,9%

53,8%

AM

54,9%

60,8%

55,3%

RR

47,6%

54,2%

47,7%

PA

56,5%

63,1%

58,8%

AP

59,7%

67,3%

65,3%

TO

47,6%

49,8%

45,3%

MA

61,1%

65,2%

59,2%

PI

54,8%

59,9%

55,6%

CE

54,5%

58,7%

55,2%

RN

52,6%

56,9%

52,2%

PB

52,3%

55,2%

52,6%

PE

52,9%

57,5%

55,0%

AL

59,9%

64,4%

59,1%

SE

54,2%

59,4%

54,9%

BA

55,6%

59,5%

55,5%

MG

35,9%

41,2%

39,0%

ES

37,6%

44,3%

41,8%

RJ

30,4%

36,3%

34,5%

SP

29,0%

34,6%

32,1%

PR

30,7%

35,1%

31,9%

SC

20,6%

24,5%

21,9%

RS

22,5%

27,2%

25,4%

MS

34,3%

40,0%

37,2%

MT

37,9%

41,4%

39,7%

GO

39,1%

44,1%

41,7%

DF

28,2%

33,1%

29,3%

Fonte: PNAD Covid-19

Com isso, é realizada uma regressão a nível do indivíduo, que está na base por cinco trimestres, do primeiro de 2020 até o primeiro de 2021, em que a variável dependente é um indicador sobre se ele está participando da força de trabalho. As variáveis e suas associações são expostas abaixo, e serão discutidas em seguida, além de determinadas projeções adotadas.

Tabela 2: Resultados da Regressão

TP

Coef.

Std. Err.

t

P>t

 

 

 

   

 

Trimestre

       

 

2020.Q2

-0,017

0,008

-2,080

0,038

 

2020.Q3

-0,028

0,010

-2,890

0,004

 

2020.Q4

-0,023

0,009

-2,520

0,012

 

2021.Q1

-0,023

0,010

-2,250

0,024

 

 

       

 

Aux. Emerg.

0,010

0,006

1,600

0,110

 

 

       

 

Aux. Emerg.x Trimestre

       

 

2020.Q2

-0,059

0,006

-10,080

0,000

 

2020.Q3

-0,035

0,006

-6,090

0,000

 

2020.Q4

-0,021

0,006

-3,790

0,000

 

2021.Q1

-0,006

0,006

-1,120

0,265

 

 

       

 

Mulher Adulta x Trimestre

       

 

2020.Q2

-0,019

0,009

-2,190

0,029

 

2020.Q3

-0,014

0,009

-1,580

0,113

 

2020.Q4

-0,008

0,008

-0,990

0,324

 

2021.Q1

0,000

0,009

0,020

0,985

 

 

       

 

Domic. Com Criança x Trimestre

       

 

2020.Q2

0,033

0,006

5,640

0,000

 

2020.Q3

0,033

0,006

5,710

0,000

 

2020.Q4

0,018

0,006

3,200

0,001

 

2021.Q1

0,016

0,006

2,560

0,011

 

 

       

 

Mulher Adulta x Domic. Com Criança x Trimestre

       

 

2020.Q2

-0,044

0,013

-3,350

0,001

 

2020.Q3

-0,055

0,013

-4,320

0,000

 

2020.Q4

-0,038

0,012

-3,110

0,002

 

2021.Q1

-0,031

0,013

-2,390

0,017

 

 

       

 

ln (População Ocupada da região)

0,046

0,008

5,490

0,000

 

ln (Renda Média da Região)

-0,006

0,013

-0,500

0,616

 

Anos de Estudo

0,006

0,010

0,600

0,549

 

 

       

 

Anos de Estudo2

-0,005

0,003

-1,600

0,110

 

 

       

 

Anos de Estudo3

0,001

0,000

1,930

0,053

 

 

       

 

Anos de Estudo4

0,000

0,000

-1,930

0,054

 

 

       

 

Idade

0,026

0,004

6,760

0,000

 

 

       

 

Idade2

0,000

0,000

-8,870

0,000

 

 

       

 

Renda do Trabalho per capita dos outros moradores

0,001

0,000

4,540

0,000

 

 

       

 

Renda do Trabalho per capita dos outros moradores2

0,000

0,000

-2,720

0,007

 

 

       

 

LN (Mortes por hab. da região)

-0,004

0,002

-2,160

0,031

 

LN (Casos por hab. da região)

0,003

0,002

1,610

0,107

 

               

Fonte: Elaboração Própria com PNADC e PNAD Covid-19.

A tabela acima traz algumas informações importantes. Primeiramente, vê-se que, em média, a população participou menos da força de trabalho em relação ao primeiro trimestre de 2020, mesmo independentemente das variáveis colocadas.  O gráfico abaixo mostra que, após um vale no terceiro trimestre, com menor taxa de participação “autônoma”, há um movimento de volta à normalidade. Considerando o segundo trimestre de 2021, admite-se uma nova queda de tal magnitude, seguindo a mesma tendência entre os três últimos trimestres.

 Gráfico 4: Taxa de Participação “autônoma” em relação ao primeiro trimestre de 2020

Fonte: Elaboração Própria com PNADC e PNAD Covid-19.

No caso do impacto do auxílio emergencial, os coeficientes indicam que, enquanto o fato de o domicílio estar indicado como de alta probabilidade de ter um beneficiário não exerceu qualquer efeito no primeiro trimestre de 2020 e 2021, nos demais períodos houve grande queda devido ao programa, principalmente no segundo trimestre, reduzindo-se nos seguintes. Esse resultado está em linha com o esperado, uma vez que não havia auxílio emergencial no início dos dois anos, e seu valor foi reduzido entre o terceiro e quarto trimestres de 2020 – principalmente no último. Para os próximos três meses, espera-se um efeito novamente significativo, tendo em vista a volta do programa, mas com 70% da magnitude do último momento de impacto, devido ao seu valor menor.

Gráfico 5: Efeito do Auxílio Emergencial sobre a Taxa de Participação por Trimestre

Fonte: Elaboração Própria com PNADC e PNAD Covid-19.

Por fim, o gráfico abaixo mostra o impacto que a pandemia teve sobre a oferta de trabalho das mulheres ao longo dos trimestres, em relação ao primeiro de 2020. Enquanto o efeito passou a zero em termos estatísticos no primeiro trimestre de 2021, se havia uma criança em determinado domicílio, ainda se registrava uma taxa de participação 3,1 pontos percentuais menor para esse grupo, em relação ao ocorrido com o trabalho dos homens. Tal associação pode estar ligada ao fechamento das escolas, cujo impacto se dá principalmente sobre as mães. Para o trimestre seguinte, tendo em vista a volta às aulas de grande parte das escolas, projeta-se uma redução pela metade desse efeito.

Gráfico 6: Mudanças da Taxa de Participação das Mulheres em relação aos Homens por Trimestre

Fonte: Elaboração Própria com PNADC e PNAD Covid-19.

Para projetar a taxa de participação do segundo trimestre de 2021, se usou ainda o coeficiente associado ao logaritmo da população ocupada da região (0,42% para cada alta de 10% da PO) e o coeficiente associado ao logaritmo da taxa de óbitos por Covid na região (-0,04% para 10% de aumento de óbitos).

Na tabela abaixo são explicitados os indicadores e projeções/estimativas para calcular a variação da taxa de participação. Como se vê, enquanto dois fatores puxam a variável para baixo, outros três fazem o oposto, de modo que há um saldo positivo, com aumento projetado de 0,44 ponto percentual.

Tabela 3: Parâmetros utilizados para a projeção

 

Indicador

Coef./Coef. Dif.

 

Mult.

 

Aumento de óbitos por Covid[2]

Coef.

 

 

Óbitos por Covid

41.0%

-0.0038

 

-0.16%

 

% dom. com mulher e filho

Coef. Dif.

 

 

Mulher com criancas no dom.

16%

0.02

 

0.32%

 

Aumento trimestral da PO

Coef.

 

 

Populacão Ocupada

2.9%

0.0465

 

0.14%

 

Pop.

Coef. Dif.

 

 

T.P. "Autônoma"

100%

0.005

 

0.49%

 

% pop. com AE

Coef. Dif.

 

 

Impacto do AE

45%

-0.0078

 

-0.35%

Soma

 

0.44%

Fonte: Elaboração Própria com PNADC e PNAD Covid-19.

Assim, tendo em vista os diferentes fatores atuando em sentidos contrários, a taxa de participação tende a ter um comportamento de estabilidade, com viés positivo, no segundo trimestre de 2021. Somente no terceiro trimestre deve ser vista aceleração dessa tendência – a não ser que determinados parâmetros mudem mais do que o que foi estabelecido nesse exercício. Dentre possíveis causas desse último cenário, estão a vacinação aumentando a taxa de participação “autônoma” e a abertura de escolas ocorrendo de forma a puxar a oferta de trabalho das mulheres com crianças em casa ainda mais para cima.


Este artigo é a reprodução da seção Em Foco do Boletim Macro Ibre de junho/2021.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] As variáveis incluídas para o cálculo da probabilidade é ter uma mulher solteira como chefe do domicílio, número de moradores, percentual de crianças, percentual de adultas brancas, percentual de adultas não brancas, percentual de adultos não brancos, percentual de adultos brancos, presença de idoso homem, presença de mulher idosa, presença de alguém com carteira assinada, presença de alguém com emprego público, quintis de rendimento do trabalho, presença de alguém com Fundamental Completo, Ensino Médio, e Ensino Superior, domicílio urbano, na capital ou na Região Metropolitana.

[2] Tendo em vista que o segundo trimestre não foi finalizado, foi aplicado um fator de 11% em relação ao resultado de óbito do segundo trimestre de 2021 até o dia 12/06/2021.

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