Macroeconomia

Problemas no desenho do Auxílio Brasil

27 dez 2021

Foi finalmente aprovado no Congresso o novo programa social do governo federal, o Auxílio Brasil, que substitui o Bolsa Família. Seria possível gastar bem menos e obter melhores resultados em termos de redução da pobreza e proteção dos trabalhadores informais. 

Após mais de um ano e meio de discussões na mídia e diferentes denominações (Renda Brasil, Renda Cidadã), foi finalmente aprovado no Congresso o novo programa social do governo federal, o Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família.

 

Ao longo deste período de pandemia, outras propostas foram apresentadas, dentre elas o Programa de Responsabilidade Social, que foi divulgado pelo Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP) em setembro de 2020 (https://cdpp.org.br/pt/publicacoes), em cuja elaboração tive o prazer de contribuir.

 

Embora tenha sido enviado ao Congresso no início de agosto e bastante analisado no que diz respeito ao valor do benefício e seus aspectos fiscais, muito pouco do desenho do Auxílio Brasil foi efetivamente debatido. Neste artigo farei breves comentários sobre a versão aprovada no início deste mês. Uma discussão mais detalhada (em coautoria com Vinicius Botelho e Marcos Mendes), intitulada “Avaliação do desenho e de possíveis impactos do Programa Auxílio Brasil”, foi publicada recentemente pelo JOTA (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/auxilio-brasil-avaliacao...).

 

O Auxílio Brasil está dividido em dois grandes blocos. No primeiro, há um conjunto de benefícios de transferência direta de renda, chamados de “benefícios financeiros”. No segundo, há mecanismos de “incentivo ao esforço individual e à emancipação produtiva”. Além disso, foi criado o Programa Alimenta Brasil, voltado à distribuição de alimentos à população de baixa renda. 

 

Com relação aos “benefícios financeiros”, seu desenho não difere significativamente do Bolsa Família, e alguns aprimoramentos foram feitos, em particular a simplificação da estrutura de benefícios e a criação do Benefício Primeira Infância para as crianças com idade até 3 anos.

 

No que diz respeito aos mecanismos de “incentivo ao esforço individual e à emancipação produtiva”, o “Auxílio Criança Cidadã” inova ao financiar creches privadas para as crianças de baixa renda. O resultado, contudo, dependerá dos valores pagos e da qualidade dos serviços fornecidos pelas instituições participantes.

 

De modo geral, chama a atenção no Auxílio Brasil um foco excessivo na proteção do trabalho formal, que já dispõe dos benefícios associados à seguridade social, deixando os trabalhadores informais à margem da estrutura de benefícios proposta.

 

Em particular, o Auxílio Inclusão Produtiva Urbana, que havia sido proposto originalmente como uma transferência de renda adicional para trabalhadores que conseguissem um emprego formal, foi alterado em sua tramitação na Câmara, tomando a forma de uma poupança, inspirada na proposta de Poupança Seguro Família contida no Programa de Responsabilidade Social. Contudo, o acesso à poupança foi restrito a trabalhadores que obtém renda de atividades com contribuição previdenciária, o que descaracteriza o objetivo de nossa proposta, que era estender a rede de proteção social a trabalhadores informais de baixa renda.

 

Já o Auxílio Inclusão Produtiva Rural provavelmente não será eficaz, pois se apoia em uma contrapartida de doação de alimentos pelos beneficiários que dificilmente será exequível.

 

Embora algumas dessas modificações no desenho do Bolsa Família sejam questionáveis, o principal problema do Auxílio Brasil foi a fixação de um valor mínimo de R$ 400 para o benefício familiar (MP 1076/2021), por duas razões fundamentais.

 

Primeiro, as informações da renda familiar, contidas no Cadastro Único, deixam de ser usadas para dosar o montante do benefício pago a cada família. Isso fragiliza a capacidade do Cadastro Único de coletar informações a respeito da renda das famílias inscritas e compromete o foco nos mais pobres. Além disso, eleva o incentivo para que famílias acima da linha de pobreza informem renda inferior ao valor da sua renda verdadeira para ter acesso ao benefício.

 

Segundo, a fixação de um valor mínimo de R$ 400 sem fontes adequadas de financiamento tem forte impacto fiscal, resultando em aumento da inflação e menor crescimento e geração de emprego, o que penaliza exatamente o público-alvo do programa social que se pretende proteger.

 

De fato, o gasto previsto do Auxílio Brasil é de, pelo menos, R$ 89,1 bilhões, podendo ultrapassar R$ 96 bilhões. Para viabilizar esse aumento de despesas, foi desmontado o teto de gastos e enfraquecida a Lei de Responsabilidade Fiscal, com danos permanentes ao nosso arcabouço fiscal.

 

Por outro lado, se aplicarmos uma correção de cerca de 15,5% ao orçamento do Programa de Responsabilidade Social, de modo a corrigir pela inflação recente e o fato de que trabalhamos com dados de 2019, este orçamento alcançaria R$ 65,8 bilhões. Seria possível, portanto, gastar R$ 23,3 bilhões a menos que o Auxílio Brasil, com melhores resultados em termos de redução da pobreza e proteção dos trabalhadores informais.

 

Diante desta oportunidade desperdiçada, a necessária melhoria do nosso sistema de proteção social ficará para o próximo governo.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 24/12/2021.

 

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