Fiscal

Reavaliação bimestral e aumento do IOF: Exaustão fiscal cada vez mais clara

27 mai 2025

Bottom line: A Reavaliação Bimestral foi conservadora, apesar de recorrer à majoração do IOF. Isso gerou reação do mercado e levou ao cancelamento de certas iniciativas, indicando atropelo e falta de coordenação. São crescentes os sinais de exaustão na política fiscal brasileira.

O Relatório Bimestral trouxe corte de despesas acima do esperado, explicitando uma postura mais conservadora do governo[1] nas projeções de receita[2]. Esperava-se cortes entre R$ 10bi e R$ 15bi, mas o ajuste chegou a R$ 31,3bi — sendo R$10,6bi em bloqueios para cumprimento do teto de gastos (reflexo de um ritmo de crescimento das despesas superior ao previsto e inconsistente com o cumprimento do arcabouço fiscal) e R$ 20,7bi em contingenciamentos para atingir o piso da meta fiscal (que podem ser posteriormente revertidos, mediante obtenção de receita suficiente). Uma visão geral das principais mudanças feitas no Relatório Bimestral pode ser vista na tabela 1.

Tabela 1: Resumo de mudanças no Relatório Bimestral de Receitas e Despesas (R$ bi)

Fonte: Ministério da Fazenda

Um adendo sempre importante: o contingenciamento não é, no atual arcabouço fiscal, para o cumprimento da meta, mas sim do seu piso. Houve tentativa de alterar esse ponto em 2024, sem sucesso. Dessa forma, o cumprimento estrito da meta fiscal sempre acabará dependendo, em última instância, de surpresas positivas na arrecadação.

Do lado das receitas líquidas, a estimativa oficial caiu R$ 41,7bi. O orçamento contava com inúmeras receitas extraordinárias tais como mudanças no CARF, transações tributárias e controle de benefícios fiscais. A projeção oficial de arrecadação nessas rubricas caiu mais de R$ 70,0 bi[3]. Outras medidas, como aquelas que envolviam a compensação pela desoneração da folha, também foram removidas das estimativas oficiais de arrecadação. Em outra direção, incluiu-se nas projeções o pacote de alterações no IOF, com expectativa de ganhos relevantes para o biênio 2025-2026.

É seguro dizer que o governo foi mais conservador nas receitas. E é razoável entender isso como uma dose extra de realismo fiscal. Em específico, zerar as receitas com mudanças no CARF foi uma sinalização positiva, eliminando rubrica notoriamente superestimada desde o ano passado – e que vinha gerando recorrentes frustrações nas projeções oficiais. Note-se que as novas expectativas de receitas com concessões e dividendos estão em níveis historicamente moderados, abrindo mais espaço para surpresas positivas, conforme a realização do cenário, nos meses vindouros.

Nas despesas, houve aumento de R$ 25,8bi, com destaque para a revisão das despesas previdenciárias, que subiram R$ 16,7bi. Já alertávamos desde o PLOA[4] que as projeções de despesas com benefícios previdenciários estavam excessivamente otimistas. A Reprogramação Bimestral trouxe ajustes, tanto nas despesas regulares quanto nas despesas com sentenças judiciais previdenciárias. Ao longo do ano, o debate sobre a fila elevada de requerimento do INSS (ou seja, pessoas que pediram benefícios e ainda não foram atendidas) poderá pressionar ainda mais essa rubrica. Segundo nossas estimativas, uma normalização do tamanho da fila custaria cerca de R$1,7bi por mês (R$ 20bi em termos anualizados).

Pode-se dizer que a Reprogramação Bimestral foi austera, expondo a realidade fiscal de forma mais crua. Como já dissemos anteriormente[5], a institucionalidade do novo arcabouço fiscal traz incentivos ruins ao governo, instando-o a incorporar receitas pouco prováveis no PLOA. Em grande medida, a primeira reavaliação bimestral de 2025 corrigiu esse viés, limpando grande parte do excesso de otimismo nas projeções de receita não recorrente. Ajustes ainda serão necessários, em especial nas despesas, e devem ser feitos ao longo do ano.

Tudo mais constante, o cumprimento do piso da meta fiscal de 2025 parece viável, sem necessidade de grandes manobras. Mas ainda há ponto de atenção. Em primeiro lugar, os gastos com benefícios previdenciários e assistenciais ainda devem ser revistos, seja por ainda haver alguma subestimativa nas projeções oficiais, seja por haver crescente debate sobre uma normalização da fila do INSS. Em segundo lugar, cortes de R$ 31,3bi podem representar um desfalque importante para o financiamento de políticas públicas, explicitando os sinais de esgotamento do Estado. No limite, esse debate pode suscitar soluções atípicas, de forma a limitar o contingenciamento – há precedentes no governo Temer, por exemplo[6]. Por fim, e talvez mais relevante, parte importante do ajuste nas receitas veio da majoração de alíquotas do IOF sobre crédito e operações cambiais – ponto extremamente sensível e confuso nos anúncios fiscais do governo.

As mudanças no IOF e a austera Reprogramação Bimestral estão intimamente ligadas. E isso pode ser um problema. As alterações no IOF têm impacto estimado de R$ 20,5 bi em 2025 e de R$ 41bi em 2026, sendo que a revisão para o ano corrente foi incluída nas projeções de receita da reavaliação. Dito de outra forma, se ocorrer qualquer frustração ou mudança adicional no IOF, o governo precisará de novas compensações nas suas contas oficiais, em receitas ou despesas, para atingir o piso da meta primária em 2025.

Extensas revisões na taxação dos mercados de seguros, crédito e câmbio foram implementadas, levando a reações dos agentes e a mudanças no decreto original, em um espaço de poucas horas. Um inventário das medidas pode ser observado na Tabela 2. O pacote original de alterações, divulgado na tarde do dia 22/05, foi modificado ao final da noite do mesmo dia, após repercussão negativa das mudanças cambiais, notadamente as relacionadas à remessa de capitais ao exterior (via fundos ou contas pessoais). Note-se que as medidas não exigiram noventena, entrando em vigor no dia útil imediatamente posterior (23/05) ao Decreto 12.466/2025. A exceção ficou por conta da tributação sobre a antecipação de pagamento a fornecedores (“risco sacado”), entrando em vigor no dia 01/06.

 

 

 

 

 

 

 

 

Tabela 2: Resumo das mudanças no IOF[7]

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Fonte: Ministério da Fazenda e Decreto 12.466/2025.

Houve enorme repercussão negativa na taxação de operações cambiais, especialmente nas aplicações em fundos no exterior. Ocorreu uma interpretação, em nossa visão correta, de que as medidas foram um passo na direção de controles de capital no Brasil, remetendo a políticas que foram implementadas sob a administração Mantega no Ministério da Fazenda com o intuito de controlar a taxa de câmbio. Operacionalmente, as mudanças poderiam inviabilizar a operação de fundos de investimento com ativos externos em sua carteira, levando a um maior isolamento financeiro do país, afastando-nos das boas práticas necessárias à adesão do Brasil à OCDE[8]. Mais ainda, a perspectiva de uma escalada tarifária levou a uma corrida para remessas ao exterior, colocando pressão sobre os ativos brasileiros após o anúncio das medidas.

Restam enormes incertezas e dúvidas a respeito da efetividade e legalidade das medidas propostas. Agentes do mercado têm debatido formas de minimizar o imposto pago, de acordo com a rubrica de remessa de capitais ao exterior ou mecanismo financeiro utilizado. Além disso, aparecem contestações legais nas medidas que majoraram o IOF sobre crédito, com amplas críticas a respeito da regressividade do imposto escolhido. Ainda que se tenha voltado atrás em algumas iniciativas, especialmente em matéria cambial, o estrago está feito: houve impacto na credibilidade, na formação de expectativas e nos incentivos à poupança agregada.

Embora isso não tenha sido muito destacado, há importantes implicações das mudanças no IOF sobre a percepção fiscal. Nas contas oficiais, novos contingenciamentos serão necessários para acomodar o decreto modificado do IOF, com potencial arrecadatório menor – o governo sinaliza impacto contido, mas ainda não há uma nova estimativa oficial. Para além disso, é necessário perceber que aumentar a tributação sobre transações financeiras costuma estar associado a paliativos para a nossa crônica insuficiência fiscal, sem atacar as questões estruturais.

A majoração do IOF é sinal de desespero, refletindo a exaustão de mecanismos usuais que permitam acomodar a ânsia por mais gastos da União. Medidas distorcivas, como o aumento do IOF, nos afastam de um sistema tributário eficiente e promotor do crescimento econômico, além de introduzir barreiras ao livre trânsito de capitais pela fronteira brasileira. Os expedientes usuais para obtenção de receita parecem se exaurir. O espaço de dispêndios discricionários flerta com limites operacionais mínimos. São sinais preocupantes, quanto mais se lembramos que esforços fiscais significativos serão necessários nos próximos anos. E a sinalização das medidas implementadas, em seu atropelo e falta de coordenação, foi basicamente tudo o que não precisávamos em momento de reconstrução da credibilidade fiscal e necessidade de atração de capital externo

 

 

 

 


[1] Este artigo foi publicado originalmente como Destaque BRCG em 23/05/2025. Disponível em https://brcg.com.br

[2] Ao longo do texto, usamos corte para definir contingenciamentos e bloqueios. Contingenciamentos são reduções no gasto para cumprimento do piso da meta fiscal, enquanto bloqueios são reduções no gasto para cumprimento do limite de despesas do novo arcabouço.

[3] O secretário da Receita Federal sinalizou que m houve redução de R$28 bilhões nas receitas com CARF, R$26 bilhões com transações tributárias e R$ 20 bilhões em controle de benefícios, mas é importante confirmar o detalhamento desses valores para chegar a um número definitivo de impacto. A revisão das receitas com concessões foi de R$ 8,8bi, concentrada na exclusão de outorgas ferroviárias.

[6] Em 2017, houve necessidade de contingenciamento que deixaria a despesa discricionária muito baixa. A limitação de empenho acabou sendo abaixo da necessária, sob a justificativa de que aquele valor inviabilizaria o funcionamento da máquina pública.

[7] Embora tenhamos nos apegado às nomenclaturas da apresentação da Fazenda, sabe-se que ocorreram outras modificações em operações específicas do mercado de câmbio (alguns investimentos offshore, por exemplo) que não são bem detalhadas na apresentação oficial e que, mesmo no decreto modificado, tiveram alta de tributação de 0,38% para 1,1%.

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