Macroeconomia

Recessão é uma possibilidade a ser evitada

26 nov 2021

Balanço de fatores econômicos indica elevada incerteza sobre a atividade econômica do próximo ano, mas há preponderância de fatores negativos e a desaceleração que já acontece pode se tornar mais forte. Evitar uma nova recessão deve ser a prioridade da política econômica.

Existe uma grande incerteza no cenário de atividade econômica para o próximo ano. O sistema de coleta do Relatório Focus mostra uma queda expressiva da projeção de PIB para 2022. Nos últimos 30 dias, houve redução da expectativa de crescimento de 1,4% para 0,7% e algumas casas projetam um PIB negativo. Em agosto, a projeção para 2022 era de crescimento de 2%.

A redução do crescimento indicada no sistema de coleta de expectativas não é algo que possa ser dado como certo. No início do ano, por exemplo, a projeção de crescimento para 2021 era de 3,5% com perspectiva de queda em função da segunda onda pandêmica. Espera-se, agora, que o PIB termine o ano com crescimento de 4,8%. Durante a pandemia, as divergências foram ainda mais expressivas.

A reversão do cenário de atividade coincide com dois fatos. O primeiro é que o cenário de inflação se tornou mais difícil do que se imaginava. O segundo é a incerteza orçamentária. Nos dois casos, há deterioração das condições financeiras tendo como resposta a elevação da taxa de juros do Banco Central e aumento dos prêmios de risco.

A piora das condições financeiras se soma ao cenário de forte desaceleração ocorrida no segundo semestre. Vários indicadores de atividade apontam para um esgotamento da recuperação cíclica. Assim, apesar do crescimento elevado em termos anuais, temos um fim de ano ruim que contamina a projeção para 2022.

A inflação mais elevada corrói a renda dos mais pobres. A ampliação da assistência social preserva essa classe social para contrapor o efeito inflacionário, pelo menos, entre os mais vulneráveis.

O endividamento das famílias atingiu níveis sem precedentes. Esperava-se que a retomada econômica fosse capaz de reverter a deterioração desse indicador, mas como a recuperação se deu em setores mais intensivos em capital, a ampliação dos empregos continua lenta e o crescimento da renda não permite que a desalavancagem ocorra via crescimento da economia.

Nesse contexto, a desalavancagem se dá com redução de gastos das famílias com maior propensão a consumir o que deprime a atividade econômica. Mian e Taylor (2021) mostram que o nível de endividamento das famílias é um dos principais elementos de reversão de ciclos econômicos. Garber, Mian, Ponticelli e Sufi (2018) argumentam que a elevação do endividamento das famílias foi um importante fator causal para a crise de 2015/16. Esse tema merece mais atenção.

Do lado dos fatores positivos, temos o processo de normalização com um bom padrão de vacinação que contribui para a retomada do emprego em setores mais intensivos em mão de obra aliviando a pobreza. Essa normalização é visível, mas ainda não apareceu nos dados sugerindo ser um elemento com pouca capacidade de se contrapor aos fatores negativos.

É possível especular que a agenda de concessões segue com bons resultados, mas como argumentei, nesse espaço, em 10 de novembro, os valores de investimento são pequenos para uma economia do tamanho do Brasil e muitos desses investimentos também respondem a condições financeiras mais adversas. Com o investimento público, menos suscetível a esses fatores, nem o governo conta.

Um vetor adicional de expansão pode surgir da economia global. Os EUA conseguiram viabilizar seu plano de infraestrutura que é bastante significativo. A China discute medidas para reverter sua desaceleração o que tende a ter um impacto importante no Brasil como ocorreu em outros episódios.

A equipe econômica apresentou os números da PEC dos precatórios para reduzir a incerteza e mostrar que não existe espaço para outros gastos, apesar de intermináveis pressões políticas. É importante achar um bom termo, pois espera-se que a distensão da crise orçamentária resulte em menor incerteza e condições financeiras melhores na margem.

O Banco Central parece disposto a fazer uma grande contração monetária diante de inúmeros choques de oferta que tornaram a inflação mais resistente. É preciso cautela porque a política monetária já está em região bastante contracionista e o custo social disso será elevado.

Ainda é muito cedo para cravar se a atividade econômica sofrerá uma contração no próximo ano. Mas as autoridades precisam buscar uma solução para os dilemas do país porque a recessão, que é uma possibilidade, deve ser evitada. O Brasil não precisa disso.

Referências

Garber, G. Mian, A. Ponticelli, J. e Sufi, A. (2018). “Household debt and recession in Brazil”. NBER working paper 25.170, outubro.

Sufi, A. e Taylor, A. (2021). “Financial crisis: A survey”. NBER working paper 29.155, agosto.


Este artigo foi publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 24/11/2021, quarta-feira.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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