Fiscal

Recomendações para o aprimoramento do arcabouço fiscal

15 mai 2023

Nota técnica da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (CONOF) divulgada esta semana aborda os problemas do arcabouço fiscal e oferece importantes contribuições para seu aprimoramento.  

Na última coluna analisei várias dificuldades relacionadas ao arcabouço fiscal, tanto em termos do seu objetivo de estabilizar a dívida pública como da coerência interna dos seus mecanismos.

De forma resumida, enfatizei os seguintes pontos. Primeiro, o ponto de partida é bastante desfavorável por decisão do atual governo, que obteve uma autorização do Congresso para aumentar fortemente as despesas com a PEC da Transição, resultando no déficit de 2,2% do PIB previsto no orçamento de 2023.

Um segundo ponto fundamental é que as metas de resultado primário propostas no arcabouço (-0,5% do PIB em 2023, 0% em 2024, 0,5% em 2025 e 1% em 2026, com intervalo de tolerância de 0,25 pontos percentuais para cima ou para baixo) não asseguram a estabilidade da dívida pública como proporção do PIB ao longo do tempo.

Além disso, a regra que limita o crescimento real da despesa de um ano a 70% do aumento real da receita do ano anterior (ou a 50% do aumento da receita caso a meta de resultado primário não tenha sido atingida no ano anterior) é insuficiente para que sejam atingidas as metas propostas de resultado primário. Para que as metas de resultado primário sejam atingidas, será necessário um grande aumento da receita.

Outro aspecto relevante é que a combinação entre as regras do arcabouço e políticas do governo que levam ao crescimento das despesas obrigatórias, como o aumento real do salário mínimo, tendem a gerar uma compressão insustentável de despesas importantes de caráter discricionário ou ao descumprimento das metas de resultado primário.

Finalmente, o projeto de lei complementar do arcabouço fiscal (PLP 93/2023) altera dispositivos fundamentais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), na medida em que acaba com a obrigatoriedade de cumprimento das metas de resultado primário e a necessidade de contingenciamento em caso de risco de descumprimento.

Esta semana foi divulgada uma nota técnica da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (CONOF) da Câmara dos Deputados que aborda esses problemas e oferece contribuições para o aprimoramento do arcabouço fiscal.

Logo no início a nota observa: “A discussão da lei complementar ocorre em um contexto de ampliação de despesas e piora do déficit primário, especialmente a partir da aprovação da EC 126/2022 (Transição)”.

São apresentadas várias simulações dos efeitos do arcabouço sobre as trajetórias de resultado primário e relação dívida/PIB. Estima-se que as regras propostas de aumento real da despesa, combinadas com estimativas realistas de crescimento da receita, resultarão em aumento anual do superávit primário de cerca de 0,13% do PIB nos próximos anos, bastante inferior ao objetivo do governo de obter elevações anuais de 0,5% do PIB ao ano até 2026.

Em consequência, as simulações indicam uma elevação da relação dívida/PIB bastante superior à projetada pelo governo. Em um cenário que utiliza parâmetros de taxas de juros reais e crescimento do PIB baseado em estimativas do mercado, a dívida pública alcançaria 87,4% do PIB em 2026, enquanto no cenário do governo essa relação atingiria 76,6%.

Em cenário intermediário, no qual os resultados primários seriam alcançados no limite inferior do intervalo de tolerância, a dívida chegaria a 82,3% do PIB em 2026. Os autores observam, no entanto, que “a consecução das metas de resultado primário nos níveis incorporados pelo cenário intermediário, diante das estimativas para arrecadação da receita e realização de despesas obrigatórias, exige forte compressão das despesas primárias discricionárias”.

Além das simulações, a nota da CONOF comenta cada um dos dispositivos do PLP 93/2023 e faz diversas recomendações. Uma crítica importante refere-se à ausência de mecanismos adequados de ajuste das trajetórias de despesas e receitas caso as metas de resultado primário não sejam atingidas, e particularmente ao fato de o contingenciamento ser facultativo.

Nesse sentido, os autores recomendam que seja resgatado o monitoramento bimestral que apura o risco de descumprimento da meta de resultado primário. Também mencionam que a Constituição, no parágrafo único do art. 163, estabelece que a lei complementar voltada à sustentabilidade da dívida pode autorizar a aplicação de vedações de aumento de despesas obrigatórias e renúncias tributárias.

O PLP 93/2023 só estabelece parâmetros que limitam o crescimento da despesa para o período 2024-2027 (art. 9º). Após esse período os parâmetros poderão ser alterados pelo PLDO no primeiro ano de cada mandato presidencial, o que fragiliza a regra fiscal, já que é mais fácil alterar LDOs que leis complementares. Por essa razão, os autores recomendam que os parâmetros sejam transpostos para a parte permanente da lei complementar (art. 4º).

Em relação às exclusões do limite de despesas, a recomendação é que sejam obedecidos alguns critérios, como: a) transferências constitucionais por repartição de receita; b) outras despesas acompanhadas de fontes de custeio vinculadas e c) créditos extraordinários. Algumas das exceções previstas no PLP 93/2023 não atendem esses critérios e deveriam ser incluídas no limite de gasto, como o piso de enfermagem e despesas com aumento de capital de empresas estatais não financeiras e não dependentes.

Minha avaliação é que a nota da CONOF faz recomendações importantes para o aprimoramento do arcabouço fiscal, que deveriam ser levadas em consideração pelos parlamentares.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 12/05/2023.

Comentários

JURANDIR GURGEL...

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.