Macroeconomia

Recuperação lenta ocorre sem aumento de produtividade

27 fev 2020

É fato bem documentado que o país atravessa uma recuperação atipicamente lenta para padrões históricos depois da crise econômica encerrada no final de 2016. Entender o que deu errado no pós-crise é importante para enfrentar os desafios que estão postos, concentrar esforços no que é mais relevante e encontrar soluções para combater o quadro de estagnação econômica e elevado desemprego que afligem o país.

O ano se inicia novamente com frustração de expectativas. Depois do otimismo exagerado com os dados do terceiro trimestre de 2019, o ritmo de atividade arrefeceu-se e, no início desse ano, a China passa por uma desaceleração cuja intensidade e duração ainda são incertas, mas não irrelevante para o Brasil. As novas projeções de crescimento em torno de 2% parecem otimistas. Concretamente, se essas projeções estiverem corretas, teremos crescido quase o dobro de 2019, mas muito pouco para um país recém-saído da crise e com desemprego tão elevado.

A recuperação é lenta em vários aspectos e com a recessão tendo se encerrado há três anos, o PIB ainda se encontra 3% abaixo do nível observado no 4º trimestre de 2014. Em nenhuma recessão grave, o PIB situava-se em patamar tão baixo passado tanto tempo. Mas a composição da recuperação é mais preocupante. O consumo das famílias situa-se apenas 2% abaixo do nível observado no 4º trimestre de 2014, mas os investimentos estão 17,5% abaixo do nível observado no mesmo período de referência. Se considerarmos o pico de investimento, no 2º trimestre de 2013, essa diferença é de 24%.

As exportações de bens e serviços que até 2018 apresentaram contribuição positiva para a recuperação, caíram ao longo de 2019, por conta da crise argentina. Essa queda pode se repetir, pois a situação na Argentina deve se prolongar e pelo efeito China. Do consumo do governo não deve haver contribuição expressiva, mesmo havendo eleições para municípios. Em suma, a lenta recuperação é um fenômeno liderado pelo consumo o que remonta a um antigo debate que coloca dúvidas sobre a sua sustentabilidade.

Quando se pensa a recuperação econômica nesses termos, é importante observar os determinantes do crescimento de longo prazo cujo fator preponderante é a produtividade do trabalho. A célebre frase de Paul Krugman reflete sua importância: “produtividade não é tudo, mas no longo prazo, é quase tudo”. Existem várias razões para acreditar que as recuperações devem ser acompanhadas por ganhos de produtividade.

As firmas que sobrevivem à recessão tendem a se tornar mais eficientes porque têm que competir em um mercado mais adverso, desenvolvem novos produtos para realizar negócios, adotam técnicas gerenciais mais modernas e ajustam o quadro de pessoal preservando os trabalhadores mais produtivos. Em condições financeiras favoráveis podem repor o capital antigo por máquinas mais eficientes buscando maior rentabilidade.

Ao mesmo tempo, mudanças de preços relativos tendem a direcionar recursos para setores mais produtivos. É o caso da depreciação cambial que eleva a rentabilidade do setor exportador que é mais produtivo por ser intensivo em capital e mais exposto à competição internacional. Os estímulos de demanda agregada evitam a perda de produtividade de trabalhadores que ficariam fora do mercado de trabalho por muito tempo e evitam a deterioração do estoque de capital em uma economia com elevada capacidade ociosa.

Esse é o primeiro episódio em que a economia brasileira se recupera de uma recessão profunda sem que haja expansão da produtividade do trabalho. A crise dos anos 1980, encerrada em 1983, foi seguida pelo crescimento da produtividade nos quatro anos seguintes. A crise do governo Collor, encerrada em 1992, foi seguida pela expansão da produtividade do trabalho nos seis anos seguintes. Pela primeira vez, o país sai de uma crise com a produtividade do trabalho estagnada e as indicações para 2019 são de que ela pode ter caído.

A recuperação está sendo lenta o bastante para impedir que a economia se ajuste. Na falta de demanda por trabalho, surgem empregos nos setores informais com baixa produtividade. Sem abertura e desenvolvimento de novos mercados, não há valor a ser criado. Sem reformas não há ganhos expressivos de eficiência.

Por enquanto, a recuperação liderada por consumo e alimentada pelo crédito não foi suficiente para a economia brasileira crescer de forma sustentável. É importante perceber que há um novo modelo de crescimento que possui seus próprios desafios o que deve receber maior atenção dos formuladores da política econômica e da classe política. Brigar com o passado não é uma boa receita para enfrentar os desafios do futuro.

A partir de hoje passo a escrever quinzenalmente, sempre às quartas, no Broadcast da Agência Estado. Agradeço a oportunidade de compartilhar minhas reflexões sobre temas econômicos importantes para o país. Darei atenção especial às mudanças ocorridas no Brasil nos últimos anos sempre apresentando aos leitores a dimensão correta dos assuntos econômicos dentro da agenda de política econômica.

Fonte: Observatório da produtividade do IBRE.


Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 19/02/2020.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Anônimo
fernando.dantas

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.