Cenários

A recuperação surpreendente do mercado de trabalho após a crise da pandemia

10 jun 2024

O comportamento do mercado de trabalho após a eclosão da pandemia tem surpreendido analistas em vários países. Além dos estímulos monetários e fiscais, o grande aumento do trabalho remoto teve várias consequências importantes.

O comportamento do mercado de trabalho após a eclosão da pandemia de Covid-19 tem surpreendido analistas e banqueiros centrais em vários países. Além dos estímulos monetários e fiscais, ocorreram importantes mudanças nas formas de organização do trabalho, em especial um grande aumento do trabalho remoto.

Um estudo recente de Giovanni Violante e coautores (“Job Amenity Shocks and Labor Reallocation”) faz uma comparação da recuperação do mercado de trabalho nos Estados Unidos após a crise da pandemia com a de recessões anteriores, em particular a desencadeada pela crise financeira internacional de 2008.

A pandemia gerou uma disrupção sem precedentes do mercado de trabalho americano. Entre março e abril de 2020, o emprego teve uma queda de 13,6% e a taxa de desemprego aumentou 11,2 pontos percentuais. Por outro lado, a retomada das contratações foi muito mais rápida que em recessões anteriores, com uma redução da taxa de desemprego de 14,7% para 3,5% em menos de dois anos. Esse padrão contrasta fortemente com o observado após a crise financeira de 2008, quando a taxa de desemprego permaneceu acima de 5% por quase uma década.

Um comportamento semelhante de queda súbita e rápida recuperação fica evidenciado pelo comportamento do número de vagas de emprego ofertadas pelas empresas. Após uma queda de 7 milhões de vagas para 4,7 milhões em abril de 2020, as vagas retomaram o nível pré-pandemia em janeiro de 2021 e continuaram a crescer, atingindo um pico de 12 milhões em março de 2022. Já a crise financeira teve impactos negativos muito mais duradouros, com a oferta de vagas tendo ficado abaixo do nível pré-recessão por mais de quatro anos.

Outro aspecto marcante do pós-pandemia foi a significativa realocação dos trabalhadores entre empresas e setores. Uma evidência desse fato foi o grande salto no número de demissões voluntárias, especialmente em serviços intensivos em contato pessoal, que caracterizou o fenômeno que ficou conhecido como “Great Resignation”. Em recessões anteriores, ao contrário, ocorreu forte queda das demissões voluntárias nos anos subsequentes.

Finalmente, enquanto em recuperações passadas os trabalhadores com salários mais elevados tiveram maiores ganhos de renda, no pós-pandemia a desigualdade salarial caiu de forma pronunciada, com aumentos reais expressivos na parte inferior da distribuição.

Segundo Violante e coautores, a grande elevação do trabalho remoto desencadeada pela pandemia foi um fator fundamental por trás da dinâmica surpreendente do mercado de trabalho no período recente, em combinação com os estímulos fiscais e monetários.

Como discuti na última coluna, a proporção de dias trabalhados em casa nos Estados Unidos aumentou de 7% em 2019 para um patamar em torno de 28% desde 2022, após ter atingido 50% no momento mais crítico da pandemia em 2020.

As pesquisas revelam que os trabalhadores valorizam vários aspectos associados ao trabalho remoto, como a redução do tempo de deslocamento para o trabalho e a maior flexibilidade no uso do tempo e no local de moradia. Em consequência, estariam dispostos a aceitar uma redução salarial de cerca de 10% em troca de dois dias trabalhados em casa por semana.

Existe também uma grande heterogeneidade entre setores, com menores taxas de trabalho remoto em setores intensivos em contato pessoal, como comércio varejista e serviços de hospedagem e alimentação.

Segundo Violante e coautores, a possibilidade de trabalho remoto representou um benefício não-pecuniário que motivou uma parcela significativa de trabalhadores a desejar uma mudança de emprego, o que ajuda a explicar o salto nas demissões voluntárias.

Como setores intensivos em contato pessoal têm menor possibilidade de oferecer trabalho remoto, isso pode explicar porque o fenômeno da “Great Resignation” foi concentrado nessas atividades e a grande dificuldade que as empresas tiveram de contratar trabalhadores em serviços de hospedagem e alimentação.

Essa dificuldade de contratação, por sua vez, forçou as empresas em atividades presenciais a oferecerem salários mais altos, em contraste com setores mais intensivos em trabalho remoto, como serviços financeiros e de informação. Como esses últimos oferecem salários mais elevados, o resultado foi uma redução da desigualdade salarial.

Outra implicação importante é que, como o descompasso entre demanda e oferta de trabalho ocorreu principalmente em serviços presenciais, as pressões salariais sobre a inflação foram concentradas nessas atividades.

Em resumo, o estudo de Violante e coautores mostra que o aumento do trabalho remoto teve grande impacto no mercado de trabalho dos Estados Unidos. Segundo os autores, é provável que efeitos semelhantes tenham acontecido em outros países. Trata-se de uma hipótese interessante a ser investigada no caso do Brasil.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 07/06/2024.

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