As reformas precisam continuar
A julgar pelas declarações do Presidente Bolsonaro e do Ministro Paulo Guedes, as reformas parecem ter entrado em compasso de espera. A instabilidade política no Chile e em outros países da América Latina parece ter levado o Executivo a temer o enfrentamento de grupos de interesse.
Como bem disse o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, essa é uma leitura equivocada dos acontecimentos recentes na América Latina. De modo geral, os protestos de rua estão relacionados à elevada desigualdade de renda, baixo crescimento econômico e provisão deficiente de serviços públicos.
É exatamente esse quadro que as reformas discutidas no Brasil, como a tributária, a administrativa, a MP do emprego e as PECs que reduzem o crescimento das despesas de pessoal, procuram mudar. O objetivo é reduzir os entraves para o crescimento econômico, eliminar privilégios e reorientar os gastos para o atendimento de necessidades prementes dos cidadãos nas áreas de educação, saúde e segurança pública.
Sem dúvida, trata-se de um conjunto de propostas complexas, que não somente contrariam fortes interesses, mas podem também ser questionadas em vários aspectos técnicos, como tratei na última coluna ao discutir a MP do emprego. Mas a alternativa de postergar essa discussão é temerária, especialmente quando se considera que a atividade legislativa no ano que vem será menos intensa em função das eleições municipais.
O baixo crescimento da produtividade do trabalho desde 1980, em torno de 0,5% ao ano, decorre de um modelo de intervenção do Estado na economia que gerou distorções profundas, resultando em uma concentração dos recursos produtivos em empresas de baixa produtividade.
Desde 2016, a economia brasileira encontra-se em uma transição deste modelo de forte intervenção estatal, que entrou em colapso econômico e fiscal, para um modelo de economia competitiva de mercado.
Em um contexto como esse, somente reformas profundas podem produzir dinamismo econômico. Soluções intermediárias podem representar um meio termo bastante insatisfatório, preservando distorções do passado sem resolver o problema central de má alocação dos fatores de produção.
A lenta recuperação da economia brasileira desde o final da recessão decorre, em grande parte, do fato que existe um elevado grau de incerteza em relação à velocidade e sustentabilidade dessa mudança. Em uma situação em que não existe clareza sobre a direção da política econômica, os empresários postergam investimentos e contratações formais, como tem acontecido nos últimos anos.
De fato, como mostra o Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do IBRE/FGV, desde o segundo semestre de 2015 o nível de incerteza da economia brasileira encontra-se muito elevado. Uma desagregação do indicador mostra que, embora a incerteza de natureza fiscal tenha diminuído, com a aprovação do teto de gastos e a promulgação da reforma da previdência, a incerteza política praticamente não caiu desde 2015.
Embora a equipe econômica tenha demonstrado até agora um compromisso inequívoco com as reformas, a falta de convicção de Bolsonaro em relação a esta agenda faz com que a incerteza política persista. Apesar do Congresso ter assumido o protagonismo na condução da reforma da previdência, é pouco provável que a extensa agenda de propostas em tramitação no Congresso possa avançar sem que o Executivo assuma um papel de liderança.
O governo parece acreditar que simplesmente submeter suas propostas ao Congresso é suficiente, sem demonstrar muito interesse em efetivamente obter sua aprovação. Isso se reflete no número expressivo de medidas provisórias que perderam validade sem que tenham sido votadas, caracterizando o que o cientista político Fernando Limongi tem chamado de “presidencialismo do desleixo”.
Essa estratégia talvez possa satisfazer uma base restrita de apoiadores, mas certamente será insuficiente para enfrentar com sucesso o desafio de completar a transição para uma economia competitiva liderada pelo setor privado, que seja capaz de gerar crescimento econômico a taxas elevadas nas próximas décadas.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 27/11/2019
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