Economia Regional

Renda do trabalho cai para menos de 2/3 da renda domiciliar no Nordeste em 2023

20 mai 2024

As regiões Nordeste e Norte são mais sensíveis às flutuações conjunturais. A razão deve-se, entre outros fatores, à menor diversificação dessas economias, fazendo com que alguns poucos setores tenham forte impacto sobre a renda.

O ponto de partida para esta análise são as mudanças de composição da renda entre rendimentos do trabalho e os rendimentos de outras fontes nas diversas regiões brasileiras. De modo a apresentar uma contribuição para discussões a respeito destas mudanças, inclusive em relação ao que já é publicado pelo próprio IBGE, será dado destaque para a participação dos rendimentos recebidos de programas sociais que, particularmente, foi o componente que mais experimentou mudanças nos últimos anos.

Os gráficos da Figura 1, a seguir, apresentam informações da composição da renda para o Brasil e as macrorregiões ao longo do período de 2012 a 2023

Figura 1 – Composição do rendimento médio mensal real domiciliar per capita entre rendimentos do trabalho e de outras fontes - Brasil e regiões

Fonte: Elaboração dos autores, com base nas informações da PNAD Contínua (2012-2023).

 

Constata-se que entre 2012 e 2019, a parcela de rendimentos de outras fontes apresentou crescimento relativo em todas as regiões do país, com a exceção da região Sul, em que a mudança foi negativa, porém bastante discreta. Na região Nordeste, este componente cresceu 4,3 pontos percentuais, chegando em 2023 a representar mais de 1/3 da renda domiciliar per capita, sendo o aumento mais significativo no país. Neste período, o aumento da participação relativa destas outras fontes de renda foi motivado principalmente pelo crescimento dos rendimentos de aposentadorias e pensões. Na média nacional, este componente aumentou sua parcela de 17% em 2015 para 18,7% em 2019. Em algumas regiões como Norte e Nordeste, essa participação aumentou acima da média nacional no mesmo período. No caso do Nordeste, o aumento foi de 20,2% para 23,5%.

Com relação a participação dos rendimentos dos programas sociais, não temos grandes alterações até 2019. A média nacional flutuou entre 1,5% e 1,7%. Nas regiões Nordeste e Norte as participações foram mais relevantes. No Nordeste, os rendimentos de programas sociais representavam aproximadamente 4,5% da medida de renda domiciliar per capita. Na região Norte essa participação foi de 3,9% em média. Nas regiões Sul e Sudeste as participações foram inferiores a 1%. Dados da Figura 2 apresentam informações sobre a participação percentual do rendimento de programas sociais para o Brasil e todas as regiões.

Figura 2 – Participação percentual do rendimento de programas sociais na composição do rendimento médio mensal real domiciliar per capita – Brasil e regiões

Fonte: Elaboração dos autores, com base nas informações da PNAD Contínua (2012-2023).

Conforme a figura acima nos mostra, a participação dos programas sociais de transferências de renda ganhou nova dinâmica a partir de 2020. Em razão da pandemia do Covid-19, em 2020 tem-se um cenário condicionado por desemprego, redução da participação dos rendimentos do trabalho e as transferências do Auxílio Emergencial. No cenário pós-pandemia, até 2023, os programas de transferência de renda passaram por reformulações determinantes para que a contribuição dos rendimentos de programas sociais se tornasse mais relevante.

O ano de 2020, em razão das medidas adotadas para fazer frente ao cenário de pandemia, foi caracterizado por uma forte retração do mercado de trabalho e o advento do Auxílio Emergencial, que foi uma política de transferência de renda bastante ampla em termos de cobertura e de valores transferidos. Estas circunstâncias resultaram na menor participação dos rendimentos do trabalho no rendimento domiciliar per capita (de 74,4% em 2019 para 72,8% em 2020) e um aumento da participação relativa das outras fontes (de 25,6% em 2019 para 27,2% em 2020). Dentre as outras fontes de renda, todas tiveram redução de participação, sendo que o aumento observado se deu exclusivamente pelo aumento da participação de programas sociais que passaram de 1,7% em 2019 para 5,9% em 2020.

As regiões Nordeste e Norte se mostraram mais dependentes do componente de programas sociais. Naquele ano (2020), esta fonte de renda passou a corresponder a 12,8% da medida de rendimento domiciliar per capita no Nordeste, frente aos 4,4% em 2019. Na região Norte, a mudança foi de 4,1% para 11,7%. No outro extremo, na região Sul a mudança entre 2019 e 2020 foi de 0,8% para 3%.

Em 2021 se observou o início da flexibilização das medidas sanitárias e o Auxílio Emergencial passou por mudanças no sentido de redução de valores e atendimento a um público-alvo mais restrito. A participação relativa média dos rendimentos advindo de transferências de programas sociais declinou para 2,6% no Brasil. Nesse cenário, a participação dos rendimentos do trabalho no rendimento domiciliar per capita se elevou para 75,3%, mesmo em um cenário em que o mercado de trabalho ainda não havia experimentado melhoras significativas.

Ainda em 2021, o Programa Bolsa Família foi substituído pelo Auxílio Brasil; e em 2022, o programa lançado pelo então presidente Jair Bolsonaro adotou um desenho de valores semelhante ao antigo Auxílio Emergencial. Em março de 2023, sob o Governo de Lula, o Programa Bolsa Família foi relançado em substituição ao Auxílio Brasil, mantendo o valor mínimo de R$ 600, mas com a inclusão de novos benefícios de acordo com a composição familiar, o que resultou em um aumento no valor do benefício médio.

Em 2023, programas sociais foram responsáveis por 3,7% da medida de renda em âmbito nacional. Na região Nordeste, a participação dos rendimentos advindos de programas sociais aumentou para um patamar próximo de 10% neste último ano da série. Essa participação é muito bem explicada pelo perfil econômico e social da região. Os dados a respeito do rendimento domiciliar per capita e do rendimento do trabalho, que foram destaque no texto anterior, evidenciam também que o Nordeste permanece a certa distância da realidade econômica das regiões mais desenvolvidas. Sendo reconhecidamente a região que abriga maior parte da população em situação de pobreza, os impactos de um novo desenho de política de transferência de renda com ampliação de cobertura e de valores não poderiam ser diferentes.

A apresentação destas informações acima tem como objetivo primeiro manter estas questões em evidência, fomentando assim novas discussões sobre as desigualdades regionais no Brasil, problema esse ainda longe de ter sido superado no país. E nesse contexto, o Nordeste continua sendo um dos principais alvos de debates.

Sendo assim, e diante do quadro econômico e social que persiste ao longo desses anos, faz-se necessária uma reavaliação mais criteriosa sobre a real efetividade do modelo de desenvolvimento ora em curso no Nordeste, seu verdadeiro alcance e sua capacidade atual de promover as transformações necessárias para colocar a região, de forma sustentável, em outra trajetória de desenvolvimento. Uma trajetória bem mais robusta, em que a renda do trabalho inicie um processo contínuo de crescimento, alcançando um nível mais elevado e maior participação na composição da renda domiciliar, tornando-se um propulsor central de um novo cenário, em mundo com rápida transformação tecnológica, em que a economia digital tem destaque.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.