Macroeconomia

Renúncias tributárias: um tema incompreendido

30 set 2021

Governo apresentou programa de redução de renúncias tributárias que frustrou expectativas em função do baixo resultado. Experiência recente e comparações internacionais sugerem que tema deveria ser tratado de forma abrangente, se possível no âmbito de uma reforma tributária.

(Para uma versão mais detalhada do post abaixo, acesse este artigo no Observatório de Política Fiscal)

A Emenda Constitucional 109/2021 determinou ao Governo o envio de uma proposta de revisão de renúncias tributárias para reduzir o montante atual de 3,95% do PIB, segundo o PLOA 2022, para 2% do PIB. Ao longo do processo legislativo, ressalvaram-se as renúncias mais expressivas tais como a Zona Franca de Manaus e o Simples, dentre outras, o que fez com que o limite inferior de 2%, praticamente, fosse ocupado pelas exceções.

A Emenda determinava o envio de uma proposta, não sua aprovação, o que sempre esteve ao alcance do Governo. Reportagem do Estadão, na última semana, informou que o governo enviou uma proposta que reduzia o excesso de renúncias em relação aos 2% do PIB não ressalvados. O entendimento jurídico para aplicação do programa fez, na prática, com que a proposta produzisse uma revisão de apenas R$ 22,4 bilhões. A expectativa com o programa só não foi mais baixa do que seu impacto.

Independente da atual abordagem do governo, o fato é que esse é um dos temais fiscais mais incompreendidos e com avanços que parecem tímidos, nos últimos anos, o que gera recorrente frustração de expectativa.

A revisão das renúncias tributárias é importante para (i) tornar o sistema tributário mais neutro, reduzindo distorções na alocação de recursos que devem migrar para os setores mais produtivos e não para os menos tributados, e (ii) reduzir a carga tributária de forma horizontal com maior arrecadação. Assim, a tributação ideal sobre o consumo deveria ter como base uma alíquota única.

Evidentemente, existe uma distância entre um modelo tributário ideal e a realidade. Por isso, é útil pensar o tema em bases comparadas levando em conta suas peculiaridades para termos clareza do que é factível de modo a evitar falsas esperanças.

De forma geral, as informações estatísticas de renúncias tributárias são muito superestimadas o que traz a falsa impressão de que é possível arrecadar muito. A vasta maioria dos dados são relatados com base na abordagem da perda de receita. Nessa metodologia, estima-se o quanto uma empresa ou setor deveria pagar de impostos se lhe fosse aplicada a alíquota base do imposto.

A metodologia da perda de receita é estática e não leva em conta possíveis respostas comportamentais à alteração tributária. O método não considera o impacto potencial da renúncia no nível geral de atividade econômica e, portanto, nas receitas fiscais agregadas. Assim, as estimativas de custo excedem os ganhos de receita que resultariam da eliminação da renúncia.

Cabe acrescentar, ainda, que a revisão das renúncias não ajuda a cumprir o teto de gastos por se tratar de receita. A exceção é a desoneração da folha que resulta em uma despesa compensatória para o INSS incluída no teto de gastos.

A comparação internacional indica que o montante total de renúncias tributárias no Brasil não é estatisticamente elevado. Os dados apresentados pelo Global Tax Expenditure Database, indica que a média para uma amostra de 24 países é de 4,78% do PIB, 0,83 pp do PIB acima do Brasil conforme mostra a tabela 1. O país está, portanto, abaixo da média internacional.

Tais medidas estatísticas representam um relevante esforço de estudiosos, mas é forçoso reconhecer sua imprecisão. Na maior parte dos casos, não é possível obter informações subnacionais de modo que a comparação se dá em nível federal. Isso não é um grande problema para países centralizados, mas é uma limitação importante nos países de tradição federativa.

Nos relatórios do Centro Interamericano de Administraciones Tributárias (CIAT) é possível comparar a composição das renúncias tributárias (Longinotti, 2019). O Brasil possui renúncias tributárias menores do que a média nos impostos sobre consumo, renda e patrimônio e nos impostos seletivos. Os dados mostram que o país destoa em um subgrupo classificado como “outros” onde a principal renúncia se refere à tributação sobre a folha. Nesse subgrupo, a renúncia brasileira é quase três vezes superior à média internacional.

A tributação sobre a folha é elevada porque a seguridade social no Brasil foi estruturada de forma abrangente o que resultava em alta demanda por recursos fiscais para o seu financiamento concentrado na folha de salários.

Várias soluções foram criadas para tornar a elevada carga sobre a folha absorvível por todas as partes: microempreendedor individual (MEI), isenções fiscais para exportadores do setor agro, Simples Nacional, políticas pontuais de desoneração da folha e uma leniência com o excesso de planejamento tributário. Outras soluções seguem em discussão: desoneração para trabalhadores jovens e a redução da carga patronal com compensação com um imposto sobre transações financeiras.

A miríade de políticas implementadas e discutidas sobre o tema mostra que, de alguma forma, todos os governos reconhecem onde está o principal problema das renúncias fiscais no plano Federal. Sem atacar de forma mais estrutural esse aspecto do sistema, as demais medidas que objetivam apenas o controle fiscal das renúncias tendem a apresentar resultados que geram mais frustração de expectativas do que solução.

País

Renúncia Fiscal (% do PIB)

EUA

6,81

México

3,82

Canadá

6,48

Argentina

2,73

Equador

5,29

Colômbia

7,74

Chile

3,22

Uruguai

6,28

França

3,69

Reino Unido

7,53

Alemanha

0,88

Portugal

5,6

Espanha

3,02

Índia

1,42

Rússia

14,38

África do Sul

4,31

Paraguai

1,41

Turquia

4,16

Itália

3,43

Austrália

8,38

Nova Zelândia

1,39

Suécia

4,55

Noruega

4,27

Brasil

3,95

Média

4.78

Fonte: https://gted.net/ e PLDO 2022.


Referência:

Longinotti, F. P. (2019). “Tax expenditures in the CIAT member countries”. CIAT working papers, 6. Disponível em: https://www.ciat.org/Biblioteca/DocumentosdeTrabajo/2019/WP_06_2019-pelaez.pdf

Este artigo foi publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 29/09/2021, quarta-feira.

Para mais informações sobre o assunto, acesse este artigo no Observatório de Política Fiscal.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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