Repressão salarial: os dilemas do salário mínimo

Uma alternativa, diante da dificuldade política, seria aperfeiçoar regra de reajuste real para medida mais próxima de produtividade. Assim, a política manteria seus benefícios no mercado de trabalho, moderando impactos fiscais.
Voltou ao centro do debate a proposta de congelamento do salário mínimo para ajustar as contas públicas. O salário mínimo consiste no piso previdenciário e indexa alguns benefícios assistenciais. Atualmente, é corrigido pela inflação por determinação constitucional. Além disso, possui um componente de valorização real que consiste em adotar o percentual mínimo entre o crescimento real do PIB e o crescimento real da despesa dado pelo novo arcabouço fiscal, que equivale a 70% do crescimento real da Receita Líquida Ajustada (RLA) até o limite de 2,5%.
A atual regra foi aprovada no final de 2024 (Lei 15.077/2024) e, apesar da maior complexidade, foi aplicada para moderar os reajustes do mínimo relação à regra anterior, que era dada pelo crescimento real do PIB do segundo ano anterior ao de referência. Como o PIB real nos últimos dois anos cresceu acima de 2,5%, esse diferencial resultará em um crescimento menor do salário mínimo em 2025 e 2026. Para os anos seguintes, o efeito da nova regra dependerá da combinação entre o PIB e o desempenho da RLA.
O salário mínimo possui um elevado impacto fiscal. De acordo com uma nota do Ministério do Planejamento, o impacto fiscal é de R$ 400 milhões para cada R$ 1 de acréscimo do mínimo. Assim, o reajuste do salário mínimo em 2025, de R$ 106, causou uma elevação do gasto público da ordem de R$ 42,4 bilhões. Em um artigo em coautoria com Bráulio Borges, mostramos que o reajuste real do salário mínimo explicou metade do crescimento do gasto além do PIB no período 1994 a 2016. É, sem dúvida, uma variável que produz um impacto relevante.
Existem duas propostas colocadas em discussão no debate mais recente. A primeira é o congelamento do valor nominal por alguns anos e a segunda consiste em manter o reajuste apenas pela inflação. Cabe ressaltar que essa segunda proposta foi aplicada por quatro anos no governo Bolsonaro. A retomada desse tipo de proposta em curto espaço do tempo mostra que seu impacto não foi suficiente para resolver o problema. A solução, portanto, seria manter o reajuste pela inflação de forma indefinida. O congelamento do valor nominal, por sua vez, produz impactos bem mais expressivos e faz sentido pensar que é uma medida de caráter mais extremo, porém de curta duração.
Além do impacto fiscal, um argumento favorável à contenção do salário mínimo é seu impacto macroeconômico. O raciocínio é que a política de repressão salarial elevaria os lucros e estimularia novos investimentos. A longo prazo, o maior crescimento econômico beneficiaria os trabalhadores de baixa renda com ganhos de produtividade gerados pelo ciclo econômico mais virtuoso. É a tese do trickle down à brasileira1.
Existem dois principais efeitos associados à valorização do salário mínimo. O primeiro é a redução da desigualdade salarial. O segundo é que salário mínimo pode ampliar a produtividade pela substituição entre trabalho, que se torna mais caro, por capital. Além disso, algumas pesquisas sugerem que a valorização salarial pode reduzir a rotatividade. Enquanto alguns estudos microeconômicos encontram esses efeitos, é mais difícil saber o seu impacto em nível agregado.
Mas parece difícil justificar o barateamento da mão de obra em um país em que o fator trabalho tende a se tornar mais escasso em função do envelhecimento populacional. Além disso, é justificável que uma política pública tenha como objetivo redistribuir renda dos trabalhadores das classes mais elevadas para os de renda mais baixa. Como evidência sugestiva, cabe observar que o investimento tem se elevado nos últimos anos, assim como nos anos 2000, quando a política foi implementada pela primeira vez de forma mais sistemática.
O ideal, portanto, seria separar a discussão do salário mínimo dos seus efeitos fiscais na previdência e assistência social para que seja possível mantê-lo com alguma valorização ao longo do tempo. Nesse sentido, muitos economistas alertam que o papel do salário mínimo é o de regular o mercado de trabalho.
Uma alternativa, diante da dificuldade política de fazer esse debate, seria aperfeiçoar a regra de reajuste real para alguma medida mais próxima de produtividade. Assim, a política manteria seus benefícios no mercado de trabalho, moderando seus impactos fiscais.
Cabe acrescentar que a ideia de que o salário mínimo deve ser responsável pelo equilíbrio fiscal deve ser vista com cautela, tendo em vista que existem múltiplas políticas que devem ser revisadas. Uma solução intermediária traria alguma contribuição, mas seriam necessárias reformas em outras áreas das finanças públicas para buscar a estabilização fiscal, o que parece ser um caminho mais justo e equilibrado.
Esta é a Seção Fiscal do Boletim Macro IBRE de maio de 2025.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
1Trickle down refere-se a alguma mudança que ocorre em uma parte superior de um sistema que se espalha para todo o restante. Foi aplicada nos anos 1980 nos EUA para justificar redução de impostos sobre os mais ricos, que ampliariam investimentos e aumentariam a produtividade da economia, beneficiando os mais pobres, sem muito sucesso.
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