Macroeconomia

Resposta a Marcelo Medeiros: como julgar a qualidade dos impostos e por que não descarto nenhum

11 jun 2020

Domingo passado (7/6), em minha coluna da Folha, escrevi o seguinte sobre o imposto sobre grandes fortunas (IGF):

Há pelo menos três problemas com o IGF. Primeiro, representa bitributação, visto que riqueza é renda acumulada e a renda já foi tributada. Segundo, tem elevadíssimo custo de processamento. Terceiro, incide sobre uma riqueza ilíquida. A pessoa teria que vender o patrimônio para pagar o imposto.

A experiência recente é que, dos 12 países da OCDE que tinham essa modalidade de imposto há algumas décadas, somente três, Suíça, Espanha e Noruega, o mantêm. A capacidade máxima de arrecadação foi de 1% do PIB na Suíça, 0,2% na Espanha e 0,4% na Noruega.

Maiores informações em dois posts no ótimo Observatório de Política Fiscal do Ibre, a cargo do meu colega Manoel Pires.

Dessa minha afirmação, Marcelo Medeiros derivou diversas consequências. Em uma sequência de tweets, “deduziu” que eu sou contra o IPTU, pois representa um imposto sobre o patrimônio, uma renda acumulada. Marcelo também concluiu que eu sou contra o ICMS, pois tem elevado custo de processamento. Finalmente afirma que os impostos que mais afetam a atividade produtiva são os impostos sobre o consumo e sobre a produção. E os que menos afetam são os impostos sobre a renda e o patrimônio. Portanto, argumenta “que quem quer deixar a economia produzir mais e melhor deve ter uma preferência pela tributação do patrimônio e da renda...”

Em nenhum momento eu disse que sou contra o IGF. Eu disse o que escrevi: há três restrições a ele, e, no parágrafo seguinte, que Marcelo aparentemente não leu, constato que os países têm desistido desse tipo de imposto e que a capacidade arrecadatória dele é da ordem de 0,5% do PIB. Para o Brasil seriam R$ 35 bilhões. Frente a esses fatos e aos problemas inerentes a ele, apontados no parágrafo anterior, não fico muito animado com o IGP.

Por exemplo, o ICMS é um imposto de elevado custo de arrecadação. Mas tem também elevada capacidade arrecadatória (por volta de 7% do PIB). Adicionalmente, parte substantiva da complexidade do ICMS não se deve ao imposto em si, mas à forma como ele foi instituído no país. Oxalá o projeto de reforma tributária do deputado Baleia Rossi seja aprovado. Haverá enorme redução do custo de conformidade do ICMS, bem como dos demais impostos indiretos.

Com relação ao IPTU, me parece um caso distinto. Trata-se de cobrança pelos bens públicos que o morador de uma cidade utiliza. A hipótese é que haja proporcionalidade entre esses serviços e o patrimônio imobiliário. A mesma lógica aplica-se ao IPVA. Vale lembrar a incidência econômica do IPTU, isto é, quem no frigir dos ovos arca com o imposto é o proprietário do terreno. Ou seja, o IPTU, do ponto de vista econômico, é um imposto sobre a terra (um fator não reproduzível), e, portanto, sobre a valorização do terreno pelo capital imobiliário ter sido construído em uma cidade, com todos os ganhos de aglomeração que advêm desse fato.

Finamente, não é verdade que os impostos sobre a produção e o consumo são os que mais distorcem a atividade produtiva. É exatamente o contrário. Aqui é necessário distinguir três características dos impostos: eficiência econômica; impacto sobre a desigualdade; e custo de processamento pela receita e de conformidade pelo contribuinte.

Se olharmos do ponto de vista da eficiência econômica, a ordenação – indo dos que menos distorcem para os que mais distorcem – é a seguinte: imposto por pessoa (independentemente de qualquer característica da pessoa), imposto sobre o consumo e imposto sobre a renda. Imposto sobre o patrimônio, do ponto de vista da eficiência produtiva, é equivalente a um imposto sobre a renda do patrimônio: sempre existe uma alíquota de imposto sobre a renda que é equivalente a um imposto sobre a riqueza, a menos de questões associadas ao ciclo econômico (a renda oscila mais do que a riqueza ao longo do ciclo econômico).

Um imposto distorce pouco a atividade produtiva quando ele não altera o comportamento. Ninguém gosta de pagar imposto. Assim, quando um imposto é criado ou alguma alíquota majorada, as pessoas respondem de forma a fugir do imposto, isto é, pagar menos imposto. Suponha que alguém crie um imposto em função da altura da pessoa. A menos que as pessoas “cortem as pernas” e passem a andar de cadeiras de rodas é impossível fugir desse imposto. Um exemplo menos extremo é o imposto por cabeça – cada pessoa paga um montante fixo independentemente da renda e de qualquer outra característica. Um hipotético imposto por cabeça, ou por altura, ou em função da cor dos olhos etc., teria a característica de não alterar o comportamento do contribuinte.

Um imposto sobre o consumo pode gerar duas respostas: as pessoas podem trabalhar menos e, consequentemente, consumir mais lazer, que não é tributado. Ou podem poupar mais. Esse segundo efeito estimula a produção, pois eleva o estoque de capital. O efeito anterior desestimula a produção.

O imposto sobre a renda tem um impacto imediato no desestímulo ao trabalho. O fato gerador é a produção. As pessoas somente produzem para gerar uma renda. Paradoxalmente, o mesmo não ocorre com o imposto sobre a produção. Um imposto sobre o valor adicionado, com isenção dos investimentos, funciona como um imposto sobre o consumo. Em geral distorce menos a produção do que o imposto sobre a renda.

O grande problema, o leitor atento já deve ter notado, é que os impostos mais eficientes do ponto de vista de estimular a produção e a poupança são também os impostos menos eficientes do ponto de vista da redução da desigualdade. Há aqui um trade off inescapável. É por esse fato que não existe sistema tributário ótimo. E, a primeira característica de qualquer sistema tributário é ter a capacidade de arrecadar e pagar as contas do Estado que o próprio Congresso Nacional determinou. Como sempre afirmo, pior do que a inflação, como solução do conflito distributivo, somente há a guerra civil. Portanto, se for necessário não descarto nenhum tipo de imposto para financiar o Estado, inclusive o IGF ou a CPMF. Sempre será melhor do que a inflação.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Comentários

Marcos Galante
Dimas Castilho
fernando
José Ronaldo

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