Macroeconomia

Retrospectiva da política fiscal

23 dez 2021

Dinâmica fiscal no ano foi melhor que o esperado. Mas vários efeitos negativos recentes elevaram percepção de risco, a despeito de números melhores. Fragilidade microeconômica, com piora alocativa e da eficiência do gasto público, compromete crescimento de longo prazo.

O ano foi marcado por uma série de surpresas na política fiscal. A dívida pública deve encerrar o ano ao redor de 83% do PIB contra 96% esperado pelo mercado em outubro de 2020. A melhora na trajetória parece permanente, pois as projeções mais recentes incorporam as elevações na taxa de juros.

O resultado primário deve apresentar um pequeno superávit depois de sete anos de déficits consecutivos. Os dados do FMI sugerem que o Brasil é o país emergente que mais elevou seu resultado primário desde 2019. Isso reflete as várias medidas adotadas nos últimos anos, a retirada dos estímulos da pandemia e a ampliação da base de arrecadação do governo influenciada pela recuperação cíclica e elevação da inflação.

Em função desses fatores, o aumento do déficit primário do Governo Federal foi rapidamente revertido e os Estados voltaram a apresentar superávit primário. É cedo para saber se o superávit dos Estados é permanente, mas cabe lembrar que várias regulações foram criadas para conter o crescimento das despesas desses entes.

Apesar de números mais favoráveis, o ano foi marcado por vários episódios fiscais negativos. O que é bom ficou no passado, a incerteza fiscal se elevou e a produtividade do gasto público segue em queda na medida em que as decisões são mais influenciadas pelo calendário eleitoral.

O ano se iniciou com a indefinição da renovação do Auxílio Emergencial. O governo apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição para renovar o programa e o vinculou à aprovação de PEC da Emergência Fiscal que criava gatilhos para contenção de despesas e um programa de redução de renúncias tributárias.

Esse combo criou uma crise orçamentária em abril. O governo negociou emendas, para aprovar suas propostas, que não cabiam no orçamento. O Congresso reduziu despesas obrigatórias de forma artificial para fazer valer o acordo. Após ameaçar vetar o orçamento, o governo fez uma engenharia orçamentária para evitar uma crise política. O episódio deu a senha de como o teto pode ser burlado nas discussões orçamentárias.

A Emenda da Emergência Fiscal não mostrou ao que veio. O programa de redução de renúncias tributárias não vingou. Os gatilhos de contenção de gastos não ampliaram os controles e suas condições de aplicação são, provavelmente, impraticáveis, pois não funcionaram nem com o furo do teto tampouco com o crescimento dos precatórios, capítulos à parte.

No auge da euforia com a recuperação cíclica e os resultados fiscais, o governo propôs uma reforma do imposto de renda. A proposta tinha méritos, pois ampliava a progressividade, fechava brechas e aproximava alíquotas nominais das efetivas, princípios importantes da reforma tributária.

A reforma foi descaracterizada pelo Congresso Nacional que ampliou as possibilidades de planejamento tributário e criou uma grande perda fiscal. Os desdobramentos mostraram que o consenso em torno da reforma na tributação direta ainda precisa de maior amadurecimento.

Para minimizar o impacto negativo durante a tramitação, o governo alegou que havia um ganho de arrecadação estrutural para ser utilizado. A reforma travou, mas essa tese equivocada está sendo utilizada para ampliar a fisiologia fiscal na tramitação do orçamento.

Durante a elaboração do orçamento de 2022 havia expectativa de que o teto de gastos não corria riscos, pois a esperada queda da inflação no segundo semestre deixaria folga no teto para ampliar despesas. O teto que era importante para conter a inflação passaria a ser viabilizado pela mesma. O rabo abanou o cachorro.

O crescimento das despesas com precatórios e a manutenção da inflação em patamares mais elevados no segundo semestre retirou o espaço fiscal imaginado. Para contornar a situação em um contexto de elevação da pobreza e necessidade de ampliar a proteção social, o governo propôs duas mudanças na Constituição. Limitou o pagamento dos precatórios e alterou o método de correção do teto de gastos. As mudanças tiveram um impacto muito negativo sobre a economia.

As despesas primárias continuarão em queda o que coloca a política fiscal em uma posição contracionista. Mas as mudanças ampliaram a percepção de risco do mercado elevando a taxa de juros de longo prazo, outra força contracionista sobre a atividade.

O governo praticou uma contração fiscal que aumentou a percepção de risco, ampliando os efeitos negativos sobre a atividade econômica. Esse movimento fez com que vários analistas prevejam, de forma prematura, uma recessão para o próximo ano. 

As mudanças são tão significativas que até pouco antes da aprovação do orçamento não se tinha claro qual o total das despesas no orçamento de 2022. Tais mudanças abriram espaço para gastos de baixa produtividade e retorno social que vão além do necessário para cuidar da pandemia.

As emendas parlamentares estão ganhando importância em um orçamento extremamente rígido. Em uma democracia, o Legislativo define as prioridades e o Executivo implementa. O Poder Legislativo não possui governança tampouco mecanismos de controle para execução orçamentária. Não é apenas uma questão de transparência, mas de eficiência e controle.

Com denúncias de caixa 2, na eleição de 2014, o Congresso vetou o financiamento privado de campanhas e jogou esse custo para o orçamento em um momento de crise fiscal. Em uma resposta inadequada para um problema real, o fundo eleitoral custará R$ 4,9 bilhões em 2022. Há pressão para edição de vários Refis, apesar da ampliação do mecanismo de transação tributária.

O Governo também é parte do processo. O Auxílio Brasil recria o clientelismo político. A redução das restrições para acesso ao Prouni reduzirá a eficiência do programa. O censo continua indefinido. O processo de micro gestão orçamentária segue insustentável.

As crises criam oportunidades para mudanças no eixo político. Aconteceu depois da crise de 2008 com a ascensão gradativa da direita e da extrema direita em vários países. A pandemia produz o resultado oposto com mudanças nos EUA, Itália, Portugal e, por último, a eleição no Chile.

Na política econômica comandada do Centrão, o movimento de reorganização das forças políticas no Brasil está em curso. A coalizão atual vitima o orçamento público e amplifica crises ao invés de contê-las. É importante que esse movimento seja bem-sucedido, mas ainda temos que atravessar 2022 contendo os danos o que não será uma tarefa simples.

Essa é minha última coluna no ano. Desejo a todos os leitores um feliz natal e um próspero ano novo. Que venha 2022.


Este artigo foi publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 22/12/2021, quarta-feira.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.