Macroeconomia

Reversão dos choques e normalização parcial em 2022

10 nov 2021

Cinco choques pressionam a inflação brasileira. Dois choques globais de alimentos e bens industriais; um choque interno aos países, mas generalizado no mundo, nos serviços; e dois choques apenas brasileiros, de energia e desvalorização do câmbio mesmo com alta de commodities.

Como temos tratado neste espaço, o processo inflacionário de 2021, em meio a uma economia com claro sinal de ociosidade no mercado de trabalho, resulta de uma combinação espetacular de choques. Em dezembro de 2020 acreditávamos que a inflação fecharia 2021 em 3,5%. Hoje sabemos que será um número ao redor de 10%.

Nesta coluna repassamos os choques e, baseando-se em dois relatórios recentes produzidos pelo grupo de pesquisadores da Goldman Sachs, atualizamos a dinâmica de reversão dos choques. A economia brasileira foi atingida em 2021 por cinco choques: dois foram globais; um foi interno a cada país, mas ligado à dinâmica da epidemia; e outros dois são específicos ao Brasil.

O primeiro choque global foi o dos alimentos. Ele teve duas partes. A primeira ocorreu entre o quarto trimestre de 2019 e ao longo de 2020. Tratou-se da epidemia que se abateu sobre o rebanho suíno na China. A gripe suína africana dizimou, em 2019, 40% do rebanho suíno chinês. Esse rebanho foi reconstituído ao longo de 2020. A carne suína na China, base da alimentação do chinês, chegou a encarecer 140% no final de 2019. A reconstrução do rebanho em 2020 e 2021 tem produzido queda no preço da carne suína na China, que já acumula deflação em 12 meses de 40%. A reversão completa do choque demandaria deflação acumulada no período de 58%.

Quando o rebanho foi reconstruído, houve troca de tecnologia. As novas granjas suínas chinesas são muito mais modernas do que as antigas, que foram as mais duramente atingidas pela epidemia. Nas antigas, os animais eram alimentados por resto de alimentos. Nas modernas usa-se ração. A parcela de 40% da produção de carne suína da China representa 8% aproximadamente da produção de proteína animal no mundo. Houve brutal elevação da demanda por ração e, portanto, por soja e milho. A alta do preço da ração significa encarecer toda a cadeia de carnes, laticínios e ovos. O pior desse choque já passou. Em 2021, a inflação brasileira de janeiro até setembro de alimentos semielaborados – categoria que abarca os grãos e as carnes resfriadas –, medida pela prévia do índice ao consumidor amplo, também conhecido por IPCA-15,  subiu 9%, comparado a 18% para alta no mesmo período de 2020. Para todo o grupo de alimentação domiciliar, os números são 8% em 2021 e 13% em 2020.

Não é certo ainda quais serão as condições climáticas em 2022, mas o início da safra no Brasil foi promissor, com aumento da área plantada em 4%. O plantio começou com dez dias de antecedência em relação à safra 2020/2021.

O segundo choque global é diretamente ligado à epidemia. Em seguida à parada brusca da economia mundial no segundo trimestre de 2020, houve forte retomada. Desenhou-se clara recuperação em V das economias. Esse fato é global. Mas a recuperação em V foi desequilibrada setorialmente. As longas quarentenas geraram fortíssima demanda por bens, principalmente bens de consumos duráveis associados à adequação do espaço doméstico aos novos usos que passaram a se fazer dele, e muito menos demanda por serviços.[1]

A produção de bens é intensiva em matérias-primas metálicas, energia, chips e comércio internacional. Todos esses itens têm registrado estrangulamento. O importante a reter aqui é que o choque inicial foi de aumento da demanda e não de redução da oferta. A desorganização das cadeias produtivas tem sido causada por elevação da demanda. Relatório recente da equipe de pesquisa da Goldman Sachs aponta que a utilização dos principais portos americanos encontra-se 20% acima do níveis anteriores à crise.[2] Há hoje quase 80 navios à espera para descarga nos principais portos da costa oeste e o tempo médio de operação de um navio carregado que chega em um porto nos EUA é de sete dias, quando o normal seriam dois dias.

Segundo outro relatório da Goldman Sachs, a normalização dos serviços portuários nos EUA ocorrerá no primeiro semestre de 2022 em função da redução da demanda por bens e da elevação da demanda por serviços.[3]

De fato, o incêndio em março da planta de produção de chip automotivo da Renesas na cidade de Naka no Japão, representou claro choque de oferta. No entanto, a produção já foi normalizada. Deve haver, portanto, normalização na oferta de chips ao longo de 2022. Nova capacidade de produção será efetivada somente em 2023.

A normalização do perfil de demanda em 2022 deve não somente normalizar os serviços portuários e o mercado de chips, mas também o de energia e das demais matérias-primas metálicas.

Esse choque ainda não atingiu seu pico. O IPCA-15 de setembro mostra que a inflação acumulada em 2021 de bens industriais foi de 9% ,contra 1,2% para o mesmo período em 2020. Para alimentos processados, o número foi de 9,2% em 2021, ante 8,7% em 2020. O pico desse choque deve acontecer na virada do ano ou no primeiro trimestre de 2022.

O terceiro choque deve-se à desorganização da oferta de serviços pelas longas quarentenas. A oferta de toda a cadeia do turismo, da alimentação fora do domicílio e do entretenimento foi desorganizada. A reabertura das economias e, portanto, a normalização do perfil de demanda gerarão elevação dos preços desses serviços. Por aqui, a prévia da inflação de outubro indica aumento de 13% nas passagens aéreas no ano ante deflação de 37% em 2020. Para alimentação fora do domicílio, o número é de 7% em 2021, ante 3,4% para a inflação acumulada em 2020.

Os dois choques especificamente nossos foram a estiagem em 2021, que elevou muito o custo da energia, e a alteração do padrão de  comportamento do câmbio em relação ao preço das commodities. São choques de oferta. Normalmente, como somos grande exportador de matérias-primas, existe um mecanismo de equilíbrio entre a força da moeda brasileira e a cotação das commodities no mercado internacional. Se estas sobem de preço, ficamos mais ricos e nossa moeda se fortalece, e vice-versa. Assim, esse balanço insula a economia nacional dos efeitos inflacionários de uma elevação dos preços das matérias-primas. Esse fenômeno não tem ocorrido desde maio de 2020. Com a forte recuperação em V da China no segundo trimestre de 2020, as commodities subiram quase 130%. Dada a relação histórica entre os preços das matérias-primas e o real, a moeda brasileira deveria estar cotada abaixo de R$4,5.

Com relação à estiagem, estamos nas mãos de São Pedro. Oxalá 2022 seja melhor do que 2021, o pior ano em 91 para os quais há dados. Até agora em 2021 a inflação de energia residencial foi acima de 25%, ante deflação de 2% para o mesmo período de 2020. As chuvas de outubro foram boas e, se a estação úmida que se inicia agora for próxima da média histórica, estaremos melhor em 2022 do que 2021. No câmbio, finalmente, parece que uma normalização definitiva ocorrerá somente após a solução do processo eleitoral de 2022. Alguma descompressão deve ocorrer em novembro ou dezembro do ano corrente, em função da solução da lei orçamentária para 2022. Mas uma solução mais definitiva deverá aguardar o que podemos esperar, na seara fiscal, do próximo presidente.

Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de novembro de 2021.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] O consumo de bens nos EUA em abril de 2021 foi 20% acima do nível de fevereiro de 2020 e atualmente encontra-se 15% acima.

[2] “US Daily: US Port Backlogs: A Story of High Demand and Stretched Supply” da equipe de pesquisa da GS liderada por Jan Hatzius de 25 de outubro último.

[3] “Track my package: a road map for supply chain normalization” de 26 de outubro último.

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Marcos Venícius...
fernando.dantas

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