Macroeconomia

A sanfona fiscal brasileira

15 fev 2019

O Tesouro divulgou os dados completos da execução fiscal de 2018. Com isso, podemos ter uma visão conclusiva da evolução do gasto primário da União durante o período Dilma-Temer.

Já apontei em um post anterior que a maior parte da redução do gasto discricionário realizada em 2015-18 ocorreu em 2015, durante o governo Dilma. Essa redução teve por objetivo compensar a grande expansão fiscal de 2014. Os dados mais recentes confirmaram essa conclusão.

Os números também adicionaram outro fato importante, mas geralmente não destacado pela mídia ou analistas especializados: mesmo com a aprovação do teto do gasto, a despesa primária da União aumentou em 0,5 ponto percentual do PIB sob Temer. Vamos aos números.

A figura 1 abaixo apresenta a evolução do gasto primário da União em percentual do PIB, com base nos valores acumulados em 12 meses. A linha vermelha (pontilhada) representa o gasto reportado pelo Tesouro, isto é, o desembolso de caixa efetivo. A linha azul (sólida) representa o gasto ajustado, isto é, o gasto quando excluímos a capitalização da Petrobras (em 2010) e os atrasos e posterior quitação dos passivos do Tesouro junto aos bancos públicos (em 2012-16).

Figura 1

Fonte: Tesouro e Banco Central

A série ajustada é o melhor indicativo do gasto primário efetivo do Tesouro, porque a capitalização da Petrobras inflou a despesa de 2010 de modo não recorrente, enquanto que os atrasos e a quitação de passivos junto aos bancos públicos distorceram as estatísticas de execução fiscal, sobretudo entre 2013 a 2016.

Feitos os ajustes acima, chegamos às seguintes conclusões:

  1. O gasto primário aumentou de 17,2% do PIB, no final do governo Lula, para 18,2% do PIB, no final do primeiro mandato de Dilma. Esse crescimento se concentrou no triênio 2012-14, quando houve combinação de expansão fiscal com desaceleração da economia.
  2. O gasto primário continuou a subir no segundo mandato de Dilma, atingindo 19,2% do PIB em maio de 2016. Porém, diferentemente do período anterior, essa “expansão fiscal” ocorreu mesmo com queda real do gasto primário. A despesa real do governo caiu, mas o PIB real caiu ainda mais.
  3. O gasto primário subiu em 0,5 ponto percentual do PIB durante o governo Temer, sendo esta expansão concentrada no segundo semestre de 2016, quando o governo aumentou suas despesas antes de impor o teto de gastos primário para os anos seguintes.

A figura 1 também mostra que o gasto primário da União ficou relativamente estável em proporção do PIB a partir do momento em que a economia voltou a crescer, em 2017. Em outras palavras, o controle da despesa pública também requer crescimento, mesmo que lento, da economia. A tabela 1 abaixo apresenta os dados anuais contidos na figura 1.

Tabela 1

Fonte: Tesouro e Banco Central

Passando às despesas discricionárias e atualizando a figura que apresentei em um texto anterior, a figura 2 apresenta o gasto discricionário do Poder Executivo em proporção do PIB. Para possibilitar uma comparação histórica, os dados começam em dezembro de 1997, de modo a comparar os últimos anos com outros episódios de contingenciamento e descontingenciamento pelo Tesouro.

Figura 2

Fonte: Tesouro e Banco Central

Em primeiro lugar, focando o período 2015-18, os números mostram uma redução do gasto discricionário do Executivo em 0,6 pp do PIB entre dezembro de 2014 e dezembro de 2018. A maior parte dessa redução foi concentrada no governo Dilma, entre dezembro de 2014 e maio de 2016, quando a despesa caiu em 0,5 pp do PIB. Durante o governo Temer, houve grande volatilidade, com expansão em 2016, contração em 2017 e nova expansão em 2018. Após esse “efeito sanfona”, o gasto discricionário da União caiu em apenas 0,1 pp do PIB em relação ao verificado no último mês do governo Dilma.

Traduzindo do “economês”, mesmo com a entrada em vigor do teto de gasto a partir de 2017, não houve redução significativa das despesas discricionárias da União no governo Temer. Isto ocorreu porque o governo realizou uma grande expansão fiscal “preventiva” no final de 2016, de modo a iniciar o período do teto de gastos com um limite bem elevado.

A figura 2 também coloca o gasto discricionário do Executivo em perspectiva histórica, isto é, desde dezembro de 1997. Os números mostram que o maior valor ocorreu em 2014, no final do primeiro governo Dilma, quando a despesa discricionária atingiu 4,5% do PIB.

Os dados também mostram que o gasto discricionário da União geralmente segue o ciclo político na maioria dos mandatos presidenciais, atingindo um pico em anos de eleição, e caindo logo depois. Isto aconteceu em 1998 (4,3% do PIB), 2002 (4,2% do PIB), 2010 (4,1% do PIB), 2014 (4,5% do PIB) e 2018 (3,9% do PIB). A única exceção ocorreu em 2006, quando o gasto discricionário permaneceu estável mesmo durante a campanha de reeleição de Lula.

Focando os períodos de contingenciamento, os números mostram que o maior ajuste fiscal do gasto discricionário ocorreu no início do governo Lula, quando o Tesouro reduziu este tipo de despesa em 1,1 pp do PIB em pouco mais de um ano. Os outros períodos de forte contingenciamento ocorreram em 1999 (crise cambial), 2011 (ajuste pós expansão de 2010), 2015 (ajuste pós expansão de 2014) e 2017 (o grande erro de Meirelles).

Em todos os episódios mencionados acima, o contingenciamento foi sucedido por expansão fiscal, o que revela uma “fadiga de ajuste” no Brasil: cortes profundos de gasto não duram muito mais do que um ano no nosso sistema político.

Olhando para frente, podemos esperar nova contração fiscal em 2019 por dois motivos: (1) houve expansão fiscal e eleição em 2018 e (2) o teto de gasto requer nova redução do gasto discricionário da União (em aproximadamente 0,3 pp do PIB) ao longo deste ano.

Assim, tudo indica que estamos iniciando mais uma fase de nossa sanfona fiscal, desta vez no sentido contracionista e, espero, menos radical do que o grande erro de 2017.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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