Macroeconomia

Sinais de recuperação, mas evolução da pandemia no Brasil preocupa

12 jun 2020

Há dois meses o FMI divulgou seu cenário para 2020 e 2021. O Fundo trabalha com uma visão otimista de recuperação em ‘V’ das economias. As taxas trimestrais de crescimento (anualizadas) da economia global, a partir do primeiro trimestre de 2020 e até o quarto trimestre de 2021, serão de, respectivamente: -15%, -14%, 23%, 8%, 6%, 4%, 5% e 4%. O ano de 2020 fechará com recuo 3%, e 2021 terá crescimento de 6%.

Dado que a tendência de crescimento da economia mundial no período posterior à grande crise financeira de 2008 tem sido de 3% ao ano, a epidemia retirará 6 pontos percentuais (pp) do PIB em 2020 e devolverá 3pp no ano seguinte. Os outros 3pp serão irremediavelmente perdidos: não iremos o dobro de vezes a um restaurante porque ficamos dois ou três meses trancados em casa.

O cenário do FMI tem duas hipóteses importantes. A primeira é a eficácia das restrições que haverá (e que já ocorrem em diversos países) após a abertura das economias, para que nós consigamos conviver com o vírus, dado que teremos que esperar bem mais por uma vacina. São restrições com o objetivo de, por um lado, não impedir o funcionamento da economia e, por outro, evitar uma segunda onda da epidemia.

Ou seja, com o uso permanente de máscara fora de casa e o remodelamento de toda a convivência no espaço público – limitação do número máximo de clientes em uma loja, regras de deslocamento em shoppings para manter distância entre as pessoas, rearranjo das mesas em restaurantes, manutenção de trabalho remoto (ou teletrabalho) por parte substantiva dos trabalhadores, entre tantas outras –, não se impedirá que a economia funcione próxima da normalidade e, simultaneamente, será possível evitar a disseminação do vírus a velocidade superior à capacidade do sistema de saúde de atender as pessoas.

A segunda hipótese que sustenta o cenário do FMI de recuperação em ‘V’ das economias é que as políticas a serem implementadas para sustentar o tecido econômico serão eficazes. Isto é, não haverá quebradeira generalizada de empresas que dificulte a retomada.

Há dois modelos de enfrentamento relativamente ao mercado de trabalho. No modelo europeu, há políticas de manutenção dos postos de trabalho – em geral muito crédito em condições muito favoráveis para as empresas não demitirem – e, na economia americana, prioriza-se dinheiro diretamente para as pessoas afetadas e não se demanda das empresas a manutenção dos empregos. Dada a enorme flexibilidade do mercado de trabalho norte-americano, a elevada taxa de desemprego não deverá ser impedimento para a retomada.

As primeiras evidências dos países que levantaram a quarentena indicam que não há uma segunda onda. Adicionalmente, os primeiros sinais do desempenho da economia chinesa no segundo trimestre sugerem retomada em ‘V’. Segundo os modelos de Livio Ribeiro, a economia chinesa roda, no segundo trimestre, num ritmo 3-3,5% acima do nível do segundo trimestre de 2019. No primeiro trimestre, rodou 6,8% abaixo do primeiro trimestre de 2019. Parece, de fato, uma retomada em ‘V’.

Reforça o cenário benigno para a economia chinesa a forma como a pandemia foi enfrentada. O gasto público não subiu muito ao longo do período da quarentena. A população chinesa tem ativos acumulado – as famílias chegam a poupar 50% da renda – e, portanto, possuem reservas para fazer frente a eventos como esse. As famílias desacumularam ativos para se financiarem na quarentena.

O estado tem agora recursos para estimular a retomada. Recursos necessários dado que a economia chinesa sai da quarentena exatamente quando o resto do mundo está no seu pior momento. No final de maio, houve a decisão de aumentar o déficit fiscal em 3pp do PIB em obras de infraestrutura, compensando a queda das exportações. Não deixa de ser uma boa notícia para a Vale do Rio Doce, dados os impactos do investimento em infraestrutura e a demanda por minério de ferro.

Nas próximas semanas, observaremos os dados econômicos da zona do euro para avaliar se o cenário de retomada em ‘V’ ocorre por lá também.

O grande risco de uma crise de excesso de endividamento de alguns países, principalmente a Itália, foi mitigado por diversos programas[1]. Em 27 de maio, a Comissão Europeia decidiu lançar um ambicioso programa de 500 bilhões de euros em ajuda e 250 bilhões de euros de empréstimos para os países mais atingidos pela crise. A novidade é que os recursos virão de títulos de dívidas emitidos pela União Europeia, cujo serviço será financiado por impostos ligados a emissões de carbono e à economia digital. Temos, talvez, o embrião de uma união fiscal. A medida ainda terá que ser aprovada pelos 27 parlamentos dos países que compõem a União Europeia.

Assim, com as informações que temos até hoje, é possível ter alguma esperança de que o cenário mais otimista do FMI irá se materializar.

Todos esses fatos são muito positivos para a economia brasileira – em particular, uma possível saída mais rápida da China da crise. Por outro lado, o que mais preocupa é a forma lenta com que a epidemia tem se espalhado por aqui.

Nos países europeus e nos EUA, o início da epidemia foi muito violento. A curva de novos casos subiu a uma taxa nunca atingida no Brasil. Aparentemente, o fato de o vírus ter se espalhado por turismo internacional, e de nações ricas receberem mais turistas e seus habitantes viajarem mais, explica o início muito mais intenso nesses países. Porém,  algum tempo após o início da quarentena nesse grupo de nações, a quantidade de novos casos por dia foi contida. No Brasil, já estamos há um bom tempo praticando distanciamento social, mas nossa curva de crescimento ainda não foi achatada. Parece que por aqui, e em outros países da América Latina, a quarentena tem sido menos efetiva para reduzir a velocidade de difusão da epidemia. Apesar de a Covid-19 por aqui nunca ter atingido a velocidade de crescimento que apresentou nas economias desenvolvidas no início, ela tem apresentado expansão persistente e relativamente imune à quarentena. Esse é hoje o maior risco para o cenário doméstico, maior até do que nossas incertezas da política e de como faremos para lidar com uma dívida que atingirá 100% do PIB no final do ano.


Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de junho de 2020.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

[1] Ver a coluna Ponto de Vista de maio.

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