Macroeconomia

Sinais de reversão do aumento da produtividade

4 out 2021

Os dados do Observatório da Produtividade sugerem que o salto de produtividade que ocorreu ano passado no Brasil foi em grande medida temporário e será revertido com a recuperação dos setores mais afetados e a retomada do emprego informal e de escolaridade mais baixa.  

Na última coluna discuti minha avaliação do cenário econômico pós-pandemia, que tem sido essencialmente a mesma desde que abordei o tema pela primeira vez, em maio do ano passado.

Minha avaliação é de que a pandemia contribuiu para o aumento do grau de incerteza, especialmente em suas dimensões de natureza política e fiscal. Devido ao nível de incerteza ainda mais elevado que o observado desde 2015, minha expectativa é de uma volta ao padrão de informalidade elevada e baixo crescimento da produtividade.

As informações recentemente divulgadas referentes ao nível de incerteza, mercado de trabalho e produtividade da economia brasileira permitem revisitar essa discussão, com foco no comportamento da produtividade no segundo trimestre.

Os dados do Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do FGV IBRE revelam um aumento expressivo da incerteza em setembro, atingindo um patamar bem acima da média já elevada de 2015-2019 e apenas um pouco abaixo do pico pré-pandemia, que havia sido registrado em setembro de 2015, quando o Brasil perdeu o grau de investimento da S&P.

Esta semana o Congresso deu uma contribuição adicional para o aumento da incerteza fiscal com a aprovação de uma mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que permite que a expectativa de receita a ser obtida com a tributação de dividendos seja utilizada como fonte de financiamento do Auxílio Brasil para fins de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Isso representa uma flexibilização indevida da LRF, que determina que uma despesa obrigatória de caráter continuado precisa ter uma fonte de financiamento permanente, seja por meio de aumento da receita seja pela redução das despesas. Afinal, além da tributação de dividendos ainda não ter sido aprovada pelo Congresso, o projeto de reforma do imposto de renda no qual está inserida terá um impacto negativo de R$ 34,1 bilhões ano que vem, segundo estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI).

No que diz respeito ao mercado de trabalho, os dados da PNAD Contínua referentes ao trimestre encerrado em julho indicam uma recuperação, com expansão expressiva do emprego informal. Em particular, tem havido uma forte retomada do trabalho por conta própria sem registro no CNPJ, cujo nível de ocupação em julho já se encontrava 3,2% acima do patamar pré-pandemia, de acordo com a série mensalizada do FGV IBRE. Os dados do CAGED referentes a agosto, por sua vez, registram o bom desempenho do setor formal, que foi menos afetado pela pandemia e se recuperou mais rapidamente.

Em relação à produtividade, os indicadores divulgados recentemente pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE mostram uma forte queda da produtividade por hora trabalhada (horas efetivas) de 13,9% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo trimestre de 2020, em função da elevação mais significativa das horas efetivas em comparação com o crescimento do valor adicionado. Este é o primeiro resultado negativo nessa métrica de comparação desde o início da pandemia.

A desaceleração do crescimento da produtividade por hora trabalhada no Brasil fica ainda mais evidente quando fazemos a comparação com o trimestre imediatamente anterior, com sucessivas quedas na margem desde o terceiro trimestre de 2020. No segundo trimestre de 2020 a produtividade por hora efetiva encontrava-se 25% acima do patamar do quarto trimestre de 2019. Após a queda nos trimestres seguintes, no segundo trimestre de 2021 este indicador estava 7,8% acima do nível pré-pandemia.

O mesmo padrão pode ser observado quando utilizamos o indicador de produtividade total dos fatores (PTF). No segundo trimestre deste ano houve uma redução de 13,6% em relação ao mesmo trimestre de 2020. Já na comparação com o trimestre anterior, têm sido registradas sucessivas quedas desde o terceiro trimestre do ano passado, com estagnação no segundo trimestre deste ano. Após ter atingido quase 20% de aumento no segundo trimestre de 2020 em comparação com o quarto trimestre de 2019, no segundo trimestre de 2021 este indicador estava apenas 2,3% acima do nível pré-pandemia.

O aumento da produtividade agregada em 2020 está em parte relacionado ao fato de que os setores menos produtivos da economia, como outros serviços (que inclui serviços prestados às famílias e serviços domésticos, dentre outras atividades), transporte e construção tiveram maior queda de valor adicionado durante a pandemia em comparação com setores de maior produtividade, como intermediação financeira, serviços de informação e serviços imobiliários.

No entanto, os indicadores de produtividade setorial do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE mostram que houve uma mudança significativa neste padrão no segundo trimestre de 2021. Em particular, nota-se que os setores menos produtivos apresentaram em média as maiores taxas de crescimento do valor adicionado em comparação com o segundo trimestre de 2020. Isto sugere que a mudança na composição setorial, que contribuiu para o crescimento da produtividade em 2020, está sendo revertida este ano, resultando em desaceleração do crescimento da produtividade.

Além disso, o fato de que a recuperação do mercado de trabalho tem ocorrido principalmente por meio de ocupações informais, bem como pela volta dos trabalhadores menos escolarizados, que são em média menos produtivos, também pode estar contribuindo para a desaceleração do crescimento da produtividade.

Os dados sugerem, portanto, que o salto de produtividade que ocorreu ano passado no Brasil foi em grande medida temporário e será revertido com a recuperação dos setores mais afetados, especialmente no setor de serviços, e a retomada do emprego informal e de escolaridade mais baixa. Em 2022 retornaremos ao padrão de baixo crescimento da produtividade que prevalecia antes da pandemia.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 01/10/2021.

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.