Fiscal

Sinal positivo com ressalvas

15 mar 2023

Reoneração parcial e temporária gera dúvida e imposto sobre exportação de petróleo já impactou investimentos em petróleo e mineração. Mas regra fiscal é sem dúvida mais importante sinal sobre determinação fiscal do governo Lula.

No início deste ano o presidente prorrogou a desoneração de combustíveis, sendo o diesel por um ano, e gasolina, álcool, querosene de aviação e GNV por dois meses.  No artigo de janeiro para esta coluna, escrevi que este sinal era bastante negativo, por ignorar a posição de Fernando Haddad, seu ministro da Fazenda.  E que saberíamos um primeiro sinal mais concreto das intenções do governo Lula 3 ao fim de fevereiro.  Será que a desoneração continuaria?  A resposta veio pelo anúncio em 28/2 (e publicação em 1º/3) da MP 1163/23.  O que podemos depreender daí?  Que o sinal é positivo para a política fiscal, mas com muitas ressalvas.  Primeiro, a reoneração foi parcial, elevando as alíquotas apenas de gasolina e álcool, para níveis menores que os vigentes pela lei 10.865/04, que foi alterada em meados do ano passado por Bolsonaro.  Aqui dois pontos chamam a atenção: o fato de estas alíquotas menores valerem apenas por 4 meses (se não houver modificação da MP, os níveis anteriores serão retomados a partir de 1º de julho); e que o querosene de aviação e o GNV mantiveram a desoneração.  Observe que a manutenção da desoneração para estes dois combustíveis só beneficia a classe rica da população, que anda de avião e táxi – o presidente continua a dar sinais contraditórios de como pretende agir para que haja menos regressividade na tributação.  Segundo, para compensar a reoneração parcial foi introduzido, sem nenhuma discussão prévia, um imposto de exportação sobre o petróleo bruto de 9,2% pelos 4 meses de vigência das alíquotas parcialmente aumentadas de gasolina e álcool.  Os impostos de exportação podem existir, principalmente no caso de produtos não ou pouco processados.  Sua principal função econômica é capturar algum ganho extraordinário de lucro na atividade de exploração de algum recurso natural, cujo preço tenha subido por motivos totalmente inesperados (por exemplo, como foram o petróleo e o gás logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia).  E neste caso, a imposição do imposto teria que ser temporária, até que houvesse a normalização destes mercados.  Não foi o caso da imposição desta taxação agora.  Nada há de excepcional no momento no mercado de petróleo bruto.  Os efeitos da guerra já foram absorvidos.  Colocar este imposto repentinamente, sem que houvesse discussão sobre o seu impacto, causa inúmeros problemas.  Primeiro, será que o governo vai “gostar” desta fonte de recurso adicional e vai querer mantê-la por mais tempo?  Segundo, o investimento em exploração de petróleo, que teve uma substancial participação de agentes privados, será certamente impactado.  Isto porque na conta do valor presente de um projeto de exploração, passar-se-á, a partir de agora, a considerar sempre uma possível introdução/elevação de imposto de exportação.  Este dano de imagem já foi causado, e só desaparecerá a muito longo prazo se o imposto for realmente temporário.  Como resultado, diminuirá o preço futuro das vendas de licenças de exploração de petróleo.  Terceiro, e muito mais grave ainda, a partir de agora no nosso país está introduzida uma dúvida em relação a qualquer projeto de exploração mineral: será que o governo vai taxar as exportações de meu produto?  Em outras palavras, e se a moda pega?  Isto terá impacto (que, volto a insistir já ocorreu por ter sido criado este imposto) em todas as concessões de exploração mineral novas e no valor das existentes.  Será que o governo vai taxar o minério de ferro?  Ou qualquer outro minério exportado?  O ponto relevante a ser notado é que o imposto foi introduzido sem que estes problemas tivessem sido propriamente discutidos e calculados.

Em suma, o sinal que esperávamos observar no fim do mês de fevereiro sobre a vontade de fazer uma gestão fiscalmente responsável foi definitivamente positivo, mas há muitas ressalvas em relação às medidas tomadas.  O que esperar daqui para a frente neste front?  Há dois pontos que serão cruciais.  Primeiro, a regra fiscal é sem dúvida a mais esperada e importante sinalização da determinação fiscal do governo Lula.  Se a regra for crível e todos puderem enxergar que a relação dívida/PIB terá trajetória de queda no médio e longo prazos, vamos ter um ciclo virtuoso de queda de juros reais, que possibilitará uma diminuição mais rápida da taxa Selic e vai levar a economia a recuperar antes do que se imagina hoje.  Segundo, em julho teremos de novo um teste sobre a reoneração de impostos de combustíveis: será que acabaremos com o imposto de exportação e restauraremos as alíquotas originais (inclusive do combustível de aviação e do GNV, que só beneficiam a população de alta renda)?

Uma nota adicional sobre a reforma tributária.  A jornalista Claudia Safatle publicou uma coluna no jornal Valor (3/3/2023) mencionando que o governo pretende conseguir 100 bilhões de reais por ano de receita extra com esta reforma.  Se este for mesmo o caso, é bem importante que o Executivo explique como isto será feito, e se isto será necessário para o sucesso da regra fiscal de longo prazo que será divulgada brevemente (que, segundo a ministra Simone Tebet, vai agradar até o “mercado”).


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 14/03/2023.

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