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Política

Sugestão para que o Senado siga a prudência da Câmara dos Deputados

3 nov 2023

Aumento do Fundo de Desenvolvimento Regional para R$ 60 bilhões só deveria ocorrer (de forma gradual) à medida que taxa de crescimento do PIB per capita, mensurada pelo IBGE, alcançasse média de 2% nos últimos três anos que precedessem elevação.

O Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) possui a missão de “reduzir desigualdades regionais e de estimular a manutenção de empreendimentos nas regiões menos desenvolvidas, que deixarão de contar com benefícios fiscais dos tributos extintos”, conforme exposto no parecer da Proposta de Emenda à Constituição nº 45-A, doravante denominada “PEC da reforma tributária”, recentemente aprovada na Câmara dos Deputados.

Sabe-se que a implantação do FDR viabilizará, politicamente, a aprovação da PEC da reforma tributária e a consequente adoção do “princípio do destino” na tributação das operações interestaduais. Com isso, espera-se o fim da guerra fiscal realizada por estados brasileiros, que leva as empresas a se instalarem em locais distantes dos polos de consumo, assim como corrói a já deteriorada capacidade de arrecadação dos entes subnacionais e a produtividade da economia brasileira, em virtude da diminuição da eficiência alocativa gerada por essa guerra.

Nesse sentido, cabe destacar que, na aprovação da PEC da reforma tributária na Câmara dos Deputados, estes agiram de maneira razoável e prudencial ao estabelecer o montante R$ 40 bilhões para União financiar o FDR, por pelo menos dois motivos:

i) o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais do Tesouro Nacional de Novembro/2022 informa que, em 2021, o montante de renúncias de ICMS concedido pelos Estados e Distrito Federal foi de R$ 176,2 bilhões, valor já subtraído dos R$ 6,8 bilhões de renúncias destinadas ao Estado do Amazonas nesse mesmo ano, considerando que a Zona Franca de Manaus continuará em vigor;

ii) em virtude tanto da incerteza relativa à efetividade da implantação do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) quanto da preocupante situação fiscal da União, com premente necessidade de superávits primários para tornar a dívida sustentável.

A prudência dos deputados pode também ser fundamentada na incerteza relativa à elevação do PIB potencial que todos esperam ocorrer com a implantação do IBS, em decorrência de reduções dos custos de conformidade, do contencioso tributário e da correção das distorções alocativas, vindas substancialmente da adoção do “princípio do destino” nas operações interestaduais.

De fato, ao se concretizar o aumento do PIB potencial e o consequente impacto positivo sobre a taxa de crescimento da economia brasileira, haverá naturalmente uma compensação desses R$ 40 bilhões, tanto em consequência de maior arrecadação que pode compensar o maior gasto primário, neutralizando o impacto sobre a dívida pública, quanto do próprio aumento esperado no PIB, o qual pode levar a uma razão dívida/PIB cadente, inclusive.

Contudo, ressalte-se: não há certeza a respeito desses impactos positivos, apesar de as expectativas de maior crescimento econômico serem alvissareiras, em função de todas as estimativas (por qualquer que seja a técnica estatística utilizada) de que se tem tido conhecimento. A incerteza advém especialmente da dificuldade burocrática vislumbrada na implantação do IBS, que substituirá o atual manicômio tributário (27 legislações de ICMS, com incontáveis exceções, e milhares de legislações de ISS ao redor do Brasil) por um sistema de regras uniformes e relativamente simplificado.

Embora se entenda que não haveria melhor equipe que a atual – liderada pelo secretário Bernard Appy – para conduzir operacionalmente e dar as diretrizes para essa substituição, é prudente esperar que haja dificuldade ou algum atraso na implantação do IBS. Nesse sentido, é temeroso e não parece ser prudente aumentar o montante de R$ 40 bilhões do FDR para algum valor específico, R$ 60 bilhões, por exemplo, sem qualquer gatilho que garanta a implantação do IBS e os decorrentes ganhos de produtividade que dele todos esperam.

De fato, é prudencial colocar um gatilho para eventual escalada de R$ 40 bilhões para R$60 bilhões, pois não há certeza da efetividade da operacionalização e porque os benefícios da política regional não são evidentes. “Eu, a sabedoria, moro com a prudência, e acho o conhecimento nos conselhos (Provérbios 8:12)”.

Nesse sentido, propõe-se que a aludida elevação somente ocorra se a taxa de crescimento do PIB per capita (mensurada pelo IBGE) alcançar uma média de 2% nos últimos três anos que precederem a elevação. A cada triênio que a taxa de crescimento do PIB per capita alcançar essa média, pode-se elevar o valor do FDR em 10%, até ele alcançar os R$ 60 bilhões, considerando que a média de crescimento do PIB per capita foi de 1,4% neste século.

Por fim, vale mencionar que esse gatilho é importante também pelas precárias evidências de sucesso das políticas que visam reduzir a desigualdade regional de renda, tanto quando consideramos a desigualdade regional de renda per capita entre regiões como quando consideramos a desigualdade regional da renda total, isto é, a disparidade na concentração da produção ou na distribuição espacial da produção.

É comum a produção não ser distribuída uniformemente entre as regiões e os instrumentos de política regional implantados no Brasil não têm contribuído para essa uniformização. A título de ilustração, o Nordeste representou, na média, de 2002 a 2020, 13,6% do PIB nacional, proporção similar ao que possuía antes da promulgação da Constituição de 1988, tanto nos idos de 1965 quanto em 1939. Situação similar observamos na disparidade da renda per capita do indivíduo que mora no Nordeste com aquele que mora no Sudeste, assim como no gasto por habitante em saúde ou em educação no Nordeste com aquele executado no Sudeste, que não se modificam substancialmente ao longo do tempo.

Logo, em virtude de precárias evidências na efetividade da política regional, há vários motivos para que os senadores sejam céticos quanto ao retorno dos recursos do FDR, justificando a referida prudência para elevar o montante dos recursos nele aportados.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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