Cenários

Surpresas positivas na atividade no curto prazo, mas ruídos se intensificam

25 mar 2024

Surpresas positivas levam projeção do IBRE de crescimento no 1º trimestre para 0,4% (de 0,2%) e, no ano, para 2% (de 1,5%). Cenário internacional, inflação doméstica e política fiscal devem limitar a queda de juros no Brasil.

Os indicadores econômicos divulgados nas últimas semanas seguem dando sustentação ao cenário de “pouso suave”, tanto no Brasil como nas principais economias, mas sugerem que haverá mais turbulência nesse “pouso” do que os mercados chegaram a precificar na virada do ano. Em especial, a atividade econômica segue se mostrando mais resiliente do que se esperava, com mercados de trabalho apertados em quase toda parte, colocando em xeque a velocidade com que os bancos centrais poderão reduzir os juros sem comprometer seu objetivo maior de trazer a inflação para as metas.

No Brasil, os últimos dados divulgados referentes à atividade econômica vieram bem acima das nossas previsões e até as do mercado, na média mais otimistas. Mesmo exercendo alguma cautela com relação aos resultados esperados para os próximos meses, não há como negar que os serviços e o comércio varejista têm tido um desempenho muito acima do previsto. Os dados qualitativos das Sondagens setoriais do FGV IBRE também não apontavam recuperação desses setores. Concomitantemente, os dados confirmaram a expectativa de melhor desempenho da indústria de transformação e da construção civil, que devem ter resultado positivo no ano, revertendo o desempenho negativo de 2023.

De fato, os números do setor de serviços, somados aos dados de varejo, nos fizeram elevar nossa projeção de PIB do primeiro trimestre de 0,2% (TsT) para 0,4% (TsT), sendo que, para o consumo das famílias, nossa projeção subiu de 0,4% (TsT) para 0,8%. Para o ano fechado, foi de 1,5% para 2,0%.

A melhora na previsão para o ano reflete o bom resultado do primeiro trimestre e o carrego estatístico mais alto que este acarreta. Nem tudo, porém, são flores, e seguimos com grande preocupação a respeito do desempenho da economia à frente. Diferentemente de 2023, quando, ao longo dos primeiros meses do ano, o governo conseguiu reverter um cenário muito negativo e colher os frutos dessa estratégia, este ano as coisas têm evoluído na direção contrária.  As últimas semanas têm sido marcadas por um intenso ruido no mercado, decorrente de ações e de discursos do governo que elevam as incertezas sobre a economia, com o governo tentando implementar velhas políticas intervencionistas em diversas áreas. Mesmo que o ambiente atual seja mais imune a essas políticas, dadas as resistências do Congresso, o cenário fica mais nebuloso, afetando o ambiente de previsibilidade tão necessário ao investimento privado. Seguimos esperando uma retomada cíclica do investimento para este ano, mas que será insuficiente para elevar de forma significativa a nossa baixa taxa de investimento, que recuou no ano passado para 16,5% do PIB. 

Essa fraca recuperação do investimento tende a resultar, dentre outros motivos, e como destacamos em edições anteriores do Boletim Macro, do risco inflacionário associado a uma atividade mais forte. Em especial, um mercado de trabalho mais resiliente, com significativo aumento real de salários, gerando reaceleração do consumo das famílias, traz embutido o risco de que o processo de desaceleração da inflação de serviços seja abortado. Esse processo é complicado ainda pelo forte aumento dos gastos públicos, com a despesa primária total do Governo Central (União, INSS e Banco Central) tendo crescido 12,5%, acima da inflação, no acumulado de 12 meses até janeiro. Esse quadro de aumento acelerado do consumo pode levar à interrupção do processo de queda de juros mais cedo do que o previsto, entre outros motivos, por elevar a taxa neutra de juros.

Por ora, há consenso em relação à política monetária, em especial que o Copom deve seguir em frente com sua estratégia de corte de juros. No entanto, as surpresas altistas na atividade econômica, a evolução do cenário internacional e da inflação doméstica, com destaque para as medidas de núcleo de inflação, bem como os riscos associados à política fiscal, devem limitar a queda de juros no Brasil.

De fato, no front internacional, os dados de atividade e inflação nos EUA vieram mais fortes que o esperado em janeiro e fevereiro e lançaram dúvidas sobre o processo de desinflação. Tanto as medidas de inflação ao consumidor como ao produtor surpreenderam para cima. O núcleo do deflator do índice de preços de gastos com consumo (PCE) de janeiro acelerou para 0,4% (de 0,1%) e o chamado “Supercore” (núcleo da inflação de Serviços que exclui habitação) para 0,6% (de 0,3%).  O índice de preços ao consumidor (CPI) de fevereiro subiu 0,4% em fevereiro ante janeiro, mesma alta do núcleo no período. Já o índice de preços ao produtor (PPI) subiu 0,6% em fevereiro, após avançar 0,3% em janeiro de 2024 e cair 0,1% em dezembro de 2023.O núcleo do PPI – que exclui itens mais voláteis como alimentos e energia– aumentou 0,4% em fevereiro, ambos resultados acima das expectativas. Todos os resultados estão indicando inflação persistente e mais alta do que se vinha projetando. Além dos dados divulgados, o discurso predominante do Fed mudou na direção de um ciclo de cortes bem mais cauteloso. As previsões indicam início de cortes em junho, mas não esperamos um ciclo intenso de baixa de juros.[1]

Porém, o principal tema doméstico continua sendo o das contas públicas. Mesmo a arrecadação melhorando no curto prazo, devido não apenas à atividade econômica, mas também aos efeitos não recorrentes sobre a arrecadação, o principal obstáculo a uma perspectiva mais construtiva sobre a redução do déficit primário é o comportamento das despesas. Os gastos obrigatórios estão crescendo fortemente e devem comprimir as demais despesas dentro do novo arcabouço fiscal, o que deverá aumentar a pressão por alteração da meta proposta de zerar o déficit este ano. Conforme destacado na seção sobre Política Fiscal, os gastos com previdência estão crescendo acima do que seria esperado, os benefícios emitidos de auxílio doença cresceram 26% em 2023 e os benefícios de prestação continuada aumentaram 11,3%. Também existe forte pressão para ampliação de subsídios tributários e creditícios, que atingiram quase 6% do PIB em 2022.[2]

E, mesmo com superávit em janeiro, a dívida pública atingiu 75% do PIB, maior nível em um ano e meio, devendo fechar o ano em 77% do PIB. O objetivo de estabilização da dívida pública está ainda muito distante. O cenário fiscal não é sustentável. A dúvida é quando essa constatação começará a fazer preço de forma mais clara.

Este é o Sumário do Boletim Macro Ibre de Março de 2024.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] Ver seção sobre Política Monetária.

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